Os pedidos da Vovó!
Nesta tarde de domingo saudosista, eis que encontro uma antiga carta de minha avó pernambucana, reclamando de meu pai que o dinheiro estava curto lá na casa dela, em Manaus. Embora não tivesse maiores estudos, minha avó Carminha (Maria do Carmo) tinha o dom da escrita. Escrevia sinteticamente, numa letra miúda, com elegância e muita graça. Era humorista. Frases curtas e deliciosas. Como eu gostaria de escrever como ela...
Devo ter conservado essa carta, da década de 1950, pela ameaça jocosa que ela fez ao filho dela, meu pai. Nós, meu pai, minha mãe e eu morávamos no Rio de Janeiro. Sei que meu pai, depois que saiu de Manaus, jamais voltou a ver a mãe dele, pois tomou pavor de avião. Pelo menos essa era a desculpa. Pois bem: a certa altura da carta, minha avó dizia para meu pai que teria que ir para a porta da Igreja vender cocadas, sem o que não poderia sobreviver.
E junto dessa reclamação havia um pedido que ela fazia sempre: - não deixar de enviar uvas, peras e maçãs, frutas que ela adorava e que não existiam no Amazonas daquele tempo.
Busco esse meu tempo longínquo e perdido e consigo sentir o gosto maravilhoso das maçãs daquela época. E não só as frutas perderam o sabor, mas as amizades, os amores também, com o tempo, perdem o antigo gosto e sentimos na boca uma certa amargura na alma da gente.
Quanto às frutas, meu pai não se assustou muito, mas senti grande preocupação com relação à falta de dinheiro. Se não me engano, na segunda-feira, meu pai me entregou uma carta endereçada à sua mãe para por no correio, com a seguinte recomendação, mais do que severa: - “ coloque a carta no correio para sua avó, mas tenha todo cuidado de não perdê-la de jeito nenhum, pois coloquei uma nota de cem cruzeiros dentro da carta.” Os serviços bancários praticamente não existiam nos velhos tempos e o dinheiro ia desse jeitinho...
Sabe, minha avó, talvez você ficasse surpreendida ao saber que nos dias atuais as maçãs não têm mais o sabor gostoso do seu tempo. Estou jogando fora todas as maçãs que comprei no sábado, na melhor quitanda da cidade, de propriedade do Zé Maria. Pois é, vovó Carminha, sei que você viveu tempos duros para a mulher, obrigada a chamar o marido de “senhor”. Sei que você nunca reclamou e sabia tirar gosto da vida, apesar de tudo. E soube aproveitar a gostosura das maçãs, uvas e peras que papai lhe mandava sempre. Adorei ter dado este flagrante em um momento de sua vida, Dona Carminha!
As avós de hoje estão mais libertas, mais soltas, mas desconfio que não são mais felizes que as de antigamente. Elas têm consciência de que estão mastigando uma vida sem sabor, com gosto de plástico. Ganharam independência, mas não a felicidade. Não acredito que felicidade seja esses pequenos instantes de prazer. A felicidade é algo mais estável e que está dentro da gente. É um estado de ser, saboreando ou não uma fruta gostosa.
Arrisco a dizer, minha avó, você foi feliz, exigia tão pouco! Cem cruzeiros por mês e suas frutas prediletas do sul . O sinal evidente da sua felicidade estava no seu bom humor. Seu neto, embora tardiamente, lhe dá os parabéns!!!