Pra não esquecer

O velho, respeitado no interior, está fazendo campanha pra sua reeleição como prefeito.

Desfila em um jipe aberto pela cidade, tendo como fiel escudeiro, um neto, menino de nove anos. As más línguas dizem que é pra comover o povo, com sua ideia de família. Justiça seja feita: é um velho chefe de família , respeitado por sua postura e costumes rígidas, onde impera a Lei de Talião, mas bem que um netinho do lado, soma pontos mesmo.

Ovação, gritos de apoio e ele gozando daquela festa que lhe levará de volta às rédeas do município.

Então num dos cantos, um grupo de insatisfeitos, certamente partidários do opositor, solta esta:

– Velho besta, pensa que vai ganhar.

Ele ouve, mas impassível não dá ao grupo, o prazer de uma resposta. Olha de soslaio pra o netinho e este tem os olhos arregalados, diante da audácia de pessoas que ousam falar em público do Coronel Tóti.

O garoto nem notou o olhar do avô.

Chegam em casa e ele chama o menino, que de nada suspeita.

– Chiquinho – a voz de trovão ecoa pela casa e o menino sente um arrepio. Não se lembar de ter feito nenhuma danação, mas esse tom...

– Sinhô, vô?

– Meu filho, você pode ouvir chamar seu avô de besta, mas de ladrão nunca.

O menino assente de olhos arregalados, sem atinar com o que deve dizer. Então...

– Agora, pra você nunca mais ouvir falar de seu avô e ficar calado, sem defender, vá buscar aquele galho de goiabeira e volte aqui.

O menino obedece sem sombra de dúvida. O velho procede à devida correção e o garoto sai de olho seco, com as pernas ardidas, mas sem emitir um ruído. E ainda ouve esta:

– Isso é pra não perder o costume. Homem é homem.

...

Teve de uma só vez (ou seria com uma só surra?) uma lição acerca de fidelidade familiar e principios sobre criação de meninos.

Brincadeira acerca dos hábitos rígidos do povo do interior, referindo-se particularmente ao avô de um colega. Lenda.