Como eu nasci

Nasci pobre, tão pobre que o menino Jesus teria pena de mim, acaso tivesse tempo para olhar para casos como o meu. Provavelmente teria dito; olhai para aquele pobre que nem umas palhinhas tem para se deitar nem sequer o bafo quente do jumento e da vaquinha para o acalentar. Eu em resposta teria dito:

Obrigado menino Jesus pela vossa compaixão, porém, não tenhais pena, porque a minha mãe era boa de contas, pelo que desde o dia do meu fabrico, passariam nove meses e pelas suas contas nasceria em Setembro. Tempo quente, dias grandes e abundante de fruta, pelo que por aí não havia que ter pena.

Agora digno de pena, é o facto de a minha mãe me programar tão bem e não pensar um bocadinho que o seu rebento poderia querer nascer com mais recato e não no meio do mato como veio a acontecer, expondo o seu rebento aos olhares indiscretos da bicharada. Erro no cálculo penso eu, visto ela não ficar a ganhar com esta situação.

Era falta de experiência, pois daí para a frente abriu a pestana e todos os meus irmãos nasceram em casa e foram logo oito, se calhar, habituou-se aos mimos da canjinha de galinha e aos cinco dias de choco no quentinho da cama sem bulir uma palha. Tocava-me a mim como filho mais velho, fazer todo o tipo de recados, como ir à venda comprar isto e aquilo, encher os cântaros de água fresca, dar uma vista de olhos pelos irmãos, enfim eram cinco dias de prisão domiciliária sempre na fona, sem que eu tivesse cometido qualquer crime.

Ainda refilava que a não sei quantos, ficava um mês na cama sempre que tinha um filho. Ora se cinco dias já era um castigo para mim, imagine-se agora um mês. Isso, santa paciência! punha-me na alheta que era um figo. Imigrava de certeza absoluta nem que fosse só para casa dos meus avós.

Quanto a vós, é certo que foste venerado por reis e pastores que vos ofereceram ouro, incenso e mirra, mas um trapinho para vos tapar as vergonhas, ninguém teve a ideia. Quanto a mim, fui embrulhado na rodilha da minha avó, com o seu cheirinho, num misto de suor e azeite com que besuntava os cabelos, porém, aos olhos do mundo cheguei a casa sem escandalizar ninguém.

Lorde
Enviado por Lorde em 26/01/2013
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