O AMANHECER NO LUGAR

O AMANHECER NO LUGAR

(*) Edimar Luz

Quero destacar aqui, como se dava o amanhecer no lugar, pois tive a oportunidade de participar e observar in loco as tarefas da nossa historicamente laboriosa coletividade, a comunidade do bairro Ipueiras, durante muitos anos.

Ao lado de praticamente todas as casas do lugar, existia um curral contendo inúmeras reses, bois e vacas, em sua maioria vacas leiteiras, (por isso denominado por alguns, de vacarias, termo mais usado lá para as bandas do sul do país).

Antes mesmo de o Sol nascer, ou melhor, do amanhecer, ainda em plena escuridão da madrugada, e os galos cantando nos poleiros, iniciava-se a ordenha manual das vacas leiteiras. Há de se destacar que tempos depois, com a introdução da energia elétrica na região, era comum se colocar uma lâmpada no oitão da casa grande, para, assim, iluminar o curral durante a ordenha naquelas madrugadas. O meu pai, por exemplo, acordava invariavelmente às quatro horas da manhã / madrugada.

Uma grande parte do leite mungido era vendida mediante acordo com o proprietário do gado, por leiteiros que se deslocavam com latões de leites nas bicicletas, ou em animais em tempos mais remotos, ao centro da cidade, onde era feita a distribuição do produto na casa dos consumidores. Era, portanto, uma entrega do tipo em domicílio. Alguns dos proprietários se encarregavam, eles mesmos, de fazer a entrega do seu leite em domicílio. Foi há muito tempo, e ainda eram relativamente raros na região os transportes motorizados.

É importante lembrar que durante todos os anos, nas primeiras horas da manhã de Sexta-Feira da Paixão, ou Sexta-Feira Santa, uma multidão de pedintes ou pessoas carentes de regiões vizinhas, e com idades diversas, entre crianças e adultos, de garrafas e vasilhas na mão percorria o bairro e aglomerava-se em frente e sobre as cercas dos currais, com o objetivo de adquirir uma porção de leite, o qual era distribuído gratuitamente naquele dia da Semana Santa. Alguns vinham mais tarde e pediam mesmo na porta da residência.

Logo após a ordenha das vacas, a tarefa seguinte, durante todos os dias, era o trabalho exaustivo e estafante na lavoura; ou em dias de feiras, a comercialização de feijão a grosso / atacado, sendo em Picos, aos sábados, e, durante algum tempo, em outras cidades da região, na segunda feira. Essa foi uma tarefa do meu pai, que era agropecuarista, durante muitos anos. Ou seja, além das atividades e afazeres na agricultura e na pecuária, havia a grande comercialização de feijão (compra e revenda). Como se pode verificar, era, no entanto, um trabalho predominantemente agropecuário, pois além da criação de gado, cultivávamos em nossas roças, muitos produtos agrícolas, como: arroz, milho, feijão, algodão, banana, abóbora, melancia, dentre outros; além da também grande produção do alho, cultivado em nossas vazantes do rio Guaribas, onde também se plantava cebola, batata-doce, feijão, melancia, coentro...

É bem verdade que, desde muito cedo, aquelas tarefas incessantes faziam parte, naquela época, do cotidiano de todos aqueles filhos de boa índole de agropecuarista do sertão, suscitando em cada um, desde pequeno, o gosto sincero e viril pelo árduo mas profícuo ofício e trabalho na lavoura e na pecuária. Na verdade, eram exaustivas e estafantes as atividades pertinentes à agropecuária. E realmente dava gosto de ver os rebanhos de gado nas pastagens e nos currais, bem como as roças, as searas e messes, nos meses de bom inverno, período das chuvas, neste fecundo solo picoense de Ipueiras. Velhos tempos! Indiscutivelmente, no sertão nordestino, é a chuva que propicia o diálogo profícuo do camponês agricultor com a terra. Por isso, é extremamente triste quando eclode uma seca devastadora que assola a nossa região. E, na realidade, foram tantas ao longo da história, que castigaram impiedosamente o Nordeste.

Vale lembrar também que na época do inverno, fazia-se a ordenha das vacas duas vezes ao dia, ou seja, de manhã bem cedo e à tarde. O leite do segundo horário destinava-se quase que exclusivamente ao fabrico de manteiga, queijo caseiro/ requeijão; e também era consumido em forma de coalhada. Tudo para o consumo familiar. Era uma fartura! Ah, que saudade daqueles tempos! Tempos idos que não voltam mais! Era comum, durante a estação chuvosa, o cheiro característico do esterco bovino no curral encharcado. Fazia-se a ordenha, nessas circunstâncias, muitas vezes fora do curral ou no terreiro da casa, ou, ainda, numa roça bem próxima, onde o gado permanecia durante a noite, uma vez que o curral se encontrava em péssimas condições, encharcado em determinadas ocasiões.

Há de se destacar também que, além da pastagem natural e das plantações ressequidas e já colhidas dos roçados, ainda se alimentava o rebanho com resíduo de semente de algodão e capim cultivado, o qual era triturado na máquina forrageira, e em seguida colocado ou distribuído em cocheiras de cimento, no sentido de balancear a ração bovina e, conseqüentemente, aumentar a produção de leite. Isso, um pouco mais tarde.

O chamado gado “solteiro”, ou seja, bois, novilhos, novilhas e vacas sem bezerros, era sempre levado, na época do nosso inverno, estação das chuvas, para as propriedades e chapadas da Umburaninha, Tanque Grande e Lagoa Grande, onde durante aquele período, permanecia em regime ou sistema extensivo.

Na verdade, era muito bonito e saudável o amanhecer no lugar, onde além do mugido dos bois, das vacas e dos bezerros, podia-se ouvir, ainda, o cantar fascinante dos inúmeros pássaros que fazem parte da fauna local, gorjeando nos arvoredos. Há de se destacar também que os pássaros de canto mais bonito e nostálgico ao amanhecer no lugar, são o galo-de-campina ou cardeal-do-nordeste que, além de ser muito comum em nossa região, aqui recebe o nome de “cabeçudo” ou “cabeça - vermelha”, e o sabiá; além de outros pássaros de canto melodioso e agradável, como sanhaços azulões, joão-de-barro, corrupião (sofrê), coleirinhas, bem-te-vis e tantos outros.

Em última instância, quero aqui ressaltar que este texto é parte integrante do meu livro Memórias do Tempo. Direitos reservados.

(*) Edimar Luz é escritor/cronista, poeta, articulista, memorialista, compositor, professor e sociólogo, formado em Recife - PE.

Picos - PI, julho de 1997.

Edimar Luz
Enviado por Edimar Luz em 26/01/2013
Código do texto: T4106646
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