AS CHEIAS DO RIO GUARIBAS
AS CHEIAS DO RIO GUARIBAS
(*) Edimar Luz, é escritor/cronista, poeta, professor e sociólogo.
Na época do nosso inverno, a chuva ao longe, na altura das cabeceiras ou nascentes do rio Guaribas, já prenunciava praticamente uma chuva iminente. E, de fato, quase sempre acontecia de acordo com a experiência popular e a lógica, É bem verdade que os rios do Brasil dependem basicamente das chuvas; eles têm regime pluvial.
A cheia chegava muitas horas depois, como se esperava; e do alto da ribanceira, a gente observava o grande volume de água corrente, bem como as frutas verdosas, as plantas arrancadas, os galhos, as espumas flutuantes e os balseiros que desciam boiando lentamente na imensidão da cheia do rio. E quando esta atingia proporções maiores, era comum se observar também o desmoronamento ruidoso das barrancas, provocado pela ação terrível das águas revolutas e em fúria estonteante e indomável, ocasionando, assim, cada vez mais o alargamento gradual do leito do rio, principalmente em determinados trechos sinuosos; era a erosão fluvial escavando suas margens. Em alguns casos, ocorria o transbordamento do rio, o qual despejava em algumas áreas, parte de suas águas no riacho da localidade, que corria em alguns pontos, paralelamente ao rio, não muito longe deste.
É interessante notar que se costumava fazer popularmente a distinção entre as águas propriamente do rio Guaribas, mais barrentas, vindas de suas nascentes e de outros cursos d’água que nele desembocam ali próximos, no chamado alto curso; e as águas do rio Riachão, um pouco mais claras, mais densas e mais pesadas, ou forçosas, e que, segundo a experiência popular, seu nível demorava mais a baixar. Quando as águas se misturavam, porém, a cheia era ainda maior.
Cumpre lembrar que o Riachão, principal afluente do Guaribas, vem do Município de Pio IX, desembocando na Barra das Guaribas, na margem esquerda no nosso rio, a cerca de 3 quilômetros da cidade de Bocaina.
Quando o nível das águas baixava um pouco, a gente costumava descer nadando na correnteza, utilizando, na maioria das vezes, grandes câmaras de ar, ou troncos secos de madeira, que se chamavam de cavaletes, os quais nos auxiliavam, às vezes, na divertida e/mas perigosa travessia do rio Guaribas. Vários desses troncos ainda eram cobertos de fuligem. Alguns dos banhistas, considerados exímios nadadores, ou por serem, também, afoitos demais, sem temer as águas impetuosas e os remansos, atreviam-se, inclusive, a realizar a travessia do rio, indo de uma margem à outra, até mesmo no momento do ponto máximo da cheia; além do corajoso e perigoso hábito de se jogarem do alto das ribanceiras, dentro do rio.
É bom lembrar também, que, ao contrário da estação seca, durante o período de cheias, o rio Guaribas se caracteriza por ser um rio de águas relativamente barrentas, apresentando uma carga bastante elevada de material em suspensão, resultante principalmente do trabalho erosivo, desde a sua nascente. Bem sabemos que a coloração das águas do rio depende necessariamente da quantidade e origem de sedimentos em suspensão. É esse fenômeno o responsável pela coloração das águas.
Com a diminuição gradativa do volume das águas, era a vez da pesca, atividade que proporcionava alegria a muita gente de toda a região, especialmente à meninada, que, com suas tarrafas e puçás (landuás), circulava incessantemente pelas margens do rio, à procura dos peixes; ou, então, passando horas a fio com seus anzóis, em certos trechos que se costumavam chamar de “encostos”, que eram locais de águas calmas, paradas, ou estagnadas, situadas geralmente à sombra de alguma árvore, onde os cardumes eram mais abundantes, sendo estes, portanto, os locais mais adequados ou apropriados para esse tipo de pesca. Podiam-se observar também algumas árvores caídas e parcialmente submersas e/ou enterradas pelas areias do leito do rio, permitindo uma maior estagnação das águas naqueles locais mais piscosos. Entretanto, alguns peixes, como o mandi, por exemplo, preferiam a correnteza, onde havia um total predomínio de areia e seixo rolado, ou pedra de rio. As águas correntes, em constantes movimentos, são realmente muito oxigenadas; mas, na verdade, elas são pobres em plânctons. Era bastante comum naquela época, a presença de meninos pescadores tentando fisgar um peixe nas águas do nosso rio Guaribas.
Nos anos de bom inverno, a pesca fluvial era abundante, com peixes de tamanho e espécies diversas, podendo-se citar, entre outros, a curimatá, o mandi, a traíra, a branquinha, o piau, os cascudos (cari e chibata), o corró, o combá e a temível e voraz piranha, além de uma infinidade de piabas, que atraíam naturalmente várias espécies de aves ribeirinhas, como, por exemplo, a garça, o socó e o martim-pescador, pássaro muito comum em margens dos rios e riachos, em cujas barrancas ele nidifica, em galerias por ele mesmo construídas. Podiam-se observar até mesmo o camarão de água doce, os quais se chamam pitus. Esses crustáceos têm o corpo coberto por uma visível carapaça, e permaneciam quase sempre nos locais lamacentos, ou em um salão do leito do rio.
É importante destacar que alguns pescadores buscavam seu pescado em esconderijos de peixes sob uma laje debaixo da água, que comumente são chamados de locas, as quais ficavam situadas de modo geral em um salão do leito do rio, que é aquele baixo de argila vermelha e dura que conserva a umidade por muito tempo.
Não se pode esquecer também, dos banhos no nosso rio, realizados principalmente nas manhãs ensolaradas de domingo, sendo muitas vezes nos “poços”, que eram alguns locais de maior profundidade do seu leito, quando o nível das águas encontrava-se já bastante baixo. Eram as chamadas “manhãs de sol”, ocasião em que um grande número de banhistas de várias localidades, entre homens e mulheres, divertia-se também nas areias esbranquiçadas do nosso Guaribas, até mais ou menos, o final dos anos 70, aqui no nosso bairro Ipueiras e todas as áreas adjacentes, como Junco, Baixio da Ipueiras, Pedrinhas, cidade e outras. Alguns banhistas, provenientes de áreas um pouco mais afastadas, armavam até mesmo algumas proteções para se resguardarem do sol, como os conhecidos “cogumelos”, nos bancos de areia, ao longo do leito do rio Guaribas, ornamentando ainda mais aquela bonita paisagem fluvial; enquanto outros preferiam jogar futebol nas areias próximas ao local. E a meninada fazia a festa naquele momento de lazer. Faziam-se, também, às vezes, piqueniques à sombra de algumas das árvores mais frondosas das margens do rio.
Cabe ainda destacar que o rio Guaribas tem este nome em virtude de uma espécie de macaco do mesmo nome, a qual habitava, em outros tempos, as matas localizadas às margens do velho rio, sobretudo nas áreas mais próximas de suas nascentes e também em todo o seu alto e médio curso; matas estas, que se desenvolvem ao longo dos rios, aproveitando a umidade do solo, e que são chamadas de matas ciliares, ou também matas galerias, sendo comuns em algumas outras regiões do País.
Em se tratando ainda de Zoologia, é bom saber que este tipo ou espécie de macaco chamado de guariba, caracteriza-se, sobretudo, por possuir a maxila inferior visivelmente barbada, bem como pelo grito peculiar que ele emite pelas árvores e matas onde habita. Como se sabe, há o guariba-preto, que é o mais comum, e também o guariba-vermelho, sendo que os indivíduos do primeiro grupo, isto é, do grupo dos guaribas-pretos, costumam roncar ou mesmo uivar principalmente pela manhã e também à tardinha nos galhos e copas das árvores.
O rio Guaribas, em cujas margens está a cidade de Picos, e onde eram encontrados vários tipos de peixes e pequenos crustáceos, como o camarão de água doce, era também o local das célebres e importantes/inesquecíveis plantações de alho, cebola, coentro, batata doce e outras culturas agrícolas, na época das vazantes. Encarregava-se também de abastecer de água a população de Picos e região que compreende o seu vale. É incontestável a importância extraordinária dos rios.
Observações:
Como já citei em uma matéria que escrevi e publiquei há dois anos, na enchente de 1960, o rio Guaribas inundou a cidade e desabrigou quase todas as famílias picoenses, principalmente aquelas residentes nas áreas ribeirinhas. Os rios Guaribas e Riachão transbordaram, com suas águas numa fúria terrível e indomável.
Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios, Morro da Mariana, dentre outros, transformaram-se circunstancialmente em abrigos para a população picoense do centro da cidade. Já o Morro da Santa Cruz transformou-se no principal abrigo para a população do Bairro Ipueiras e localidades adjacentes, uma vez que em sua aba existiam algumas casas relativamente grandes que comportaram as famílias durante alguns dias, até baixar o nível das águas.
Em conseqüência do rompimento de paredes de açudes e barragens, no ano de 2004 também ocorreu uma grande cheia, nos seguintes dias daquele ano:
*21/01/2004 (Quarta-feira);
*24/01/2004 (Sábado) - a maior daquele ano.
*29/01/2004 (Domingo) – a 2ª maior daquele ano.
Assim, em ordem de grandeza e abrangência, as três maiores enchentes do rio Guaribas já registradas até hoje foram: 1960, 1974 e 2004.
Conta-se que também no ano de 1861 ocorreu uma grande enchente no rio Guaribas, além de várias outras de menor expressão ao longo do tempo.
Todas essas enchentes citadas acima deixaram a cidade de Picos parcialmente submersa, sendo que a imensa cheia de 1960, a maior de todas, atingiu índices descomunais, até hoje nunca igualados e jamais superados aqui em nossa região de Picos.
Em última instância, quero aqui ressaltar que este artigo, por mim produzido em maio de 1993, faz parte do meu livro Guaribas: lembranças e histórias de um rio, contendo 20 capítulos. Direitos reservados ao autor. É proibida a reprodução total ou parcial sem a minha permissão ou autorização por escrito. Picos, maio de 1993.
(*) Edimar Luz, é escritor/cronista, poeta, articulista, memorialista, professor e sociólogo formado em Recife-PE.
Picos, maio de 1993.