Em São Paulo
São Paulo anda fazendo aniversário. Eu conheço São Paulo como a mim mesmo – o que é uma maneira suave de dizer que não conheço nada. Já caminhei pela Avenida Paulista, mas nem por isso a conheço melhor. Já andei de metrô, já vi o rio Tietê (era melhor não ter visto), o antigo Carandiru e o estádio da Portuguesa. Cruzei a Ipiranga com a São João sem que absolutamente nada acontecesse no meu coração. Estive na frente do Museu de Artes e não tinha dinheiro para entrar.
No final de ano, conheci o Aeroporto de Congonhas – e o pessoal da companhia aérea foi muito gentil se esforçando para que eu conhecesse realmente bem o aeroporto, razão pela qual meu voo foi atrasado em quatro horas. Nada disso, no entanto, é mais marcante em São Paulo do que o homem da rodoviária. O velho homem da rodoviária.
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Uma rodoviária é o lugar ideal para encontrar pessoas que nunca mais vamos ver. Há gente de todos os lugares, querendo ir para todos os cantos, e por motivos que ninguém quer saber. Em São Paulo, você olha ao longe e não vê o fim das plataformas de embarque. O melhor a fazer é soltar as malas e sentar, observando de que maneira o caos se organiza.
Eu estava nessa posição quando um senhor se aproximou com o seu comprovante de embarque e uma caneta. Perguntou se eu achava que precisava assinar aqueles papéis. Precisa, precisa sim, ainda mais hoje em dia, quando a palavra vale tão pouco. Se o senhor falar que se chama João, ninguém acredita, mas se estiver no papel, você está salvo.
O homem então perguntou se eu não poderia preencher o bilhete pra ele. Concordei e ele me emprestou a sua caneta. Perguntei seu nome completo e escrevi. Mas não bastava um nome, era preciso alguns números. As pessoas estão sempre querendo saber alguns números. Mostrou-me então a sua Carteira de Identidade. Copiei os números e devolvi o seu bilhete.
Pude perceber que aquele homem sabia ler e escrever. Mas, naturalmente, os comprovantes de embarque não são escritos em português, e sim na linguagem fria e técnica das pessoas esclarecidas. Certamente o bilhete está cheio pegadinhas e coisas incompreensíveis para quem não tiver o superior completo. A reforma ortográfica não previu esses casos.
O homem então me agradeceu – exageradamente. E antes que eu pudesse pensar alguma coisa, tirou R$ 5 da carteira e quis me entregar. Recusei. Ele então jogou o dinheiro em cima das minhas malas e saiu apressado, subindo no seu ônibus, que já estava estacionado. E eu fiquei ali, sentado, olhando e pensando coisas que se pensa numa rodoviária de São Paulo.
Curitiba, 2007