São seus olhos

É fato: a ditadura da beleza exige a perfeição física em todas suas nuances. Da ponta do pé ao fio do cabelo (na maioria chapado), nada pode estar fora dos conformes, sob a pena do ostracismo social que é imposto àqueles que não se enquadram ao padrão exigido.

A televisão, o cinema, a internet e os demais meios de comunicação visual impõem um padrão perfeito, e quem o alcança, chega a competir com Narciso para se afogar no reflexo da imagem, neste mar de estupidez humana. Não à toa, vemos os “big brothers” da vida tentando, a duras penas, ganhar espaço através da superexposição de suas formas físicas e pouco cérebro, com grande chance de êxito. Basta uma pitada de carisma e terão sucesso na certa, nem que seja transitório. A Playboy e seus leitores, ou visores, comemoram fervorosamente!

Nessa busca desenfreada - propagada pela mídia - por músculos definidos, rostos plastificados e corpos perfeitos, verifica-se que academia, cirurgia plástica, silicone e botox são termos bem presentes no cotidiano brasileiro. As indústrias de cosméticos e suplementos alimentares também agradecem; afinal, passaram de coadjuvantes a protagonistas no caminho da “perfeição física”.

Com isso, deve-se tomar bastante cuidado, pois se corre o risco da perda do bom senso - e a sanidade mental vai junto - para ficar bonito. O reflexo do espelho pode ludibriar seu original e o estereótipo de divindade grega almejado possui grandes chances de tornar-se uma réplica de dinossauro; Gretchen e Michael Jackson (que Deus o tenha) são exemplos que não me deixam mentir.

A padronização e supervalorização das formas físicas alcançaram um grau tão elevado que num futuro próximo assimilaremos o costume medieval da fogueira e os mais feios serão queimados em praça pública para servir de lição aos demais que não quiserem cultuar a beleza. Assim, restam duas alternativas aos homens: nascerem belos ou ricos; e a segunda possibilidade é a solução para melhorar a aparência. O problema é não ter dinheiro. Por isso dizem “que não existe gente feia, existe gente pobre”, tudo é uma questão de modelagem. E hoje, com a carência de homem no mercado, é só ficar malhado que “as mina pira”.

Em contraponto, a sabedoria popular ensina, brilhantemente, que o tempo se encarrega de deteriorar a beleza exterior, e que não há elixir para a eterna juventude, embora alguns morram acreditando na sua existência. Sabe-se que a única certeza absoluta para todos que possuem vida, e corpos físicos (belos ou não), é a morte. Logo, esses pedaços de carne, recheados com gorduras e revestidos com tecido epitelial serão deglutidos, com muito prazer, por vermes das mais variadas espécies; tendo-se, ainda, como segunda opção ser queimados até virarem pó. Porém, a essência de cada um é incorrosível e eternizada na memória daqueles que nos são próximos, diferentemente da matéria.

Fé, amor, compreensão, atenção, solidariedade, bom humor, amizade, honestidade, integridade - entre outros substantivos abstratos positivos - compõem a personalidade do homem (em sentido amplo), bem como sua beleza nem sempre perceptível a olhos nus. Essa beleza a efemeridade da vida não consegue apagar. O regime ditatorial do belo se fez cego a essas qualidades de valores imensuráveis porque a economia não enxerga lucratividade com suas práticas. Contudo, a humanidade carece, urgentemente, de encontrar e divulgar a beleza nos gestos e atitudes mais simplórios para livrar-se da apoteose do caos que está por vir.

Como nem tudo são espinhos, depurando o que existe de bom e aliando ao prazer, os exercícios físicos e o culto à vaidade, com limites, podem trazer benefícios à saúde física e mental. Estudiosos já comprovaram que caminhar, nadar, malhar, pedalar, manter hábitos alimentares e higiênicos saudáveis e cuidar da aparência, sem exageros, ajuda a levantar a autoestima, gerando reflexos na família, trabalho, escola e relacionamentos diversos. Aconselha-se, ainda, a ler, ouvir música, ver filmes, viajar e sorrir bastante. É certo que um cérebro malhado e um corpo que transparece felicidade tem o poder de fazer brotar do âmago da alma uma beleza visível a quem realmente se propõe a enxergar, algo que a fugacidade da aparência nunca alcançará.

Deixa-se claro, caro leitor, que esta pretensa crônica não é o discurso de um feio tentando encontrar justificativas melodramáticas para compensar a carência de beleza física, afinal, desse mal o autor não morre. Registra-se, ainda, que a mãe desse que vos escreve sempre disse que o mesmo é bonito (e ela é muito crítica), bem como sua namorada enfatiza constantemente que ele tem um lindo coração e uma barriga sexy (a camada de lipídios completa o charme); e isso sem contar que quando se arruma e coloca umas borrifadas de fahrenheit não tem para ninguém. Assim, quando recebe elogios, humildemente, sempre responde: “São seus olhos que me enxergam dessa forma, nem sou tão belo assim.”

Robson Alves Costa
Enviado por Robson Alves Costa em 24/01/2013
Reeditado em 02/05/2013
Código do texto: T4103240
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