Creme de avelã

Limpava a caixa de entrada de emails quando me deparei com a Oração ao Anjo do Amor, enviada a mim há algum tempo por uma senhora gaúcha que encontrei rapidamente, e por acaso, em um restaurante.

Não sei explicar ao certo como a nossa conversa começou, mas lembro de quando, com os olhos brilhantes de felicidade, ela me contou que havia encontrado o amor de sua vida, depois de muito ter se desiludido e de ter completado sessenta anos. Lembro também, de que a sua exultação me fazia parecer mais velha e, certamente, desanimada naquela fila do buffet.

O amor tem destas coisas de rejuvenescer as pessoas instantaneamente. Volto a pensar no quanto seria bom se fosse acondicionado e vendido: “Amor solúvel e instantâneo”. Sem colesterol; sem lactose; sem glúten; 100% saudável!

E sem que eu tivesse proferido qualquer sussurro de socorro, a renovada senhora gaúcha achou por bem me ajudar. Afinal, não tinha dúvida de que fora a conversa diária com o Anjo do Amor que havia materializado o homem perfeito em sua vida.

Mas é preciso pedir direito, ela afirmou com veemência. Faça uma lista de todos os atributos que deseja que um homem possua, sem esquecer nenhuma, e reze. Reze todos os dias... e todas as noites também, de preferência.

Prometi fazê-lo e ela prometeu enviar a oração por email. Sentamos para almoçar em nossas mesas separadas, e nunca mais nos vimos. Ela cumpriu sua promessa e eu não. Apenas guardei o email como uma espécie de envelope protegendo aquela oração, para o caso de algum dia achar por bem executá-la. Anos depois, ao encontrá-la durante a faxina na caixa de emails, não só não consegui lançá-la na lixeira como passei a pensar no anjo e no amor.

Confesso que me soa esquisito fazer um “checklist” das características necessárias para alguém vir a ser o meu amor, e, o que é mais constrangedor, lê-las diariamente para o anjo.

Caro anjo, me mande um cara maduro, mas não velho. Aliás, vou grifar as palavras “maduro” e“velho” com cores distintas, para que fique bem claro que um não é sinônimo do outro. Não vá se confundir!

A altura é importante. Precisa ter mais do que 1.80m, para que eu possa continuar usando meus maravilhosos saltos. Porém, se este for o único item incompleto pode-se abrir uma exceção, afinal as rasteirinhas estão cada vez mais charmosas.

Cabelo. É preciso que tenha cabelos! E que sejam naturais. Nada de Grecin 2000. Neste caso, podemos rever este item e colocar um adendo: Antes careca que tingido.

Dentes. Fator preponderante para uma relação vingar. Esteticamente, nada que seja radical. Arcadas simétricas próprias de usuários de aparelho ortodôntico são dispensáveis para a faixa etária que estamos procurando. Até porque, a irreverência de um incisivo lateral querendo subir no central pode ser uma particularidade encantadora. Sem falar que, assim, diminui o risco de confusão, prótese jamais!Nem bafo! Este último elimina todos os outros requisitos desta lista.

Barriga é, literalmente, o caminho do meio. Não precisa ser tanquinho, que é para evitar que possíveis lavadeiras queiram tomar emprestado, e nem “airbag” depois da batida. Apenas que esteja no lugar certo, atrás do cós.

Inteligência é imprescindível, mas que desconheça algumas coisas para que possamos aprender juntos. Menos o português.

Roupas. Não perca tempo com isto. Dou um jeito depois.

Ufa! Já fiquei entediada por aqui. Nunca fui metódica. Faço lista de compras e quando chego ao supermercado descubro que não sei onde a deixei. Acabo tendo de utilizar o “olhômetro” para escolher o que necessito. Não sinto prazer em desfilar com o carrinho de compras pelos corredores pré-roteirizados. Acho maçante ter de enchê-lo com suprimentos básicos para as necessidades diárias listadas antes de sair de casa.

Por isto não cumpri a promessa feita à amiga relâmpago que quis me ensinar o caminho para encontrar o amor desejado. Não conseguiria listar a pessoa ideal. Acabaria esquecendo qualidades importantes, me empolgaria com defeitos deliciosos. Levo o creme de avelã e esqueço a carne e do leite, entende?

Foi o que aconteceu com uma amiga para qual reenviei a tal oração. Quando perguntei por que o relacionamento havia acabado, ela respondeu que se esquecera de colocar na lista alguém com estabilidade financeira.

Gosto de pensar que o anjo existe e está pronto para ouvir os meus pedidos, assim que os faça, mas dispenso listas. Prefiro utilizar o “coraçômetro” para escolher quem necessito. Sei que corro o risco de esquecer a carne e o leite, mas também sei que não há nada mais delicioso do que uma colherada de creme de avelã na calada da noite.

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Léia Batista
Enviado por Léia Batista em 24/01/2013
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