PRIMEIRAS ÁGUAS
PRIMEIRAS ÁGUAS
(*) Edimar Luz
O índice pluviométrico que se verifica no Sertão nordestino é relativamente baixo; mas mesmo com a carência de chuvas na área sertaneja, esta não deixa de ser uma região economicamente viável. Tivemos, portanto, durante décadas, bons e profícuos invernos, quando na época das chuvas, as nossas roças de Ipueiras, entre os anos 60 e 70, e muito antes, ficavam repletas de diversas culturas agrícolas, de importância vital para a comunidade, tais como, feijão, arroz, milho, algodão, melancia, abóbora, maxixe e outras.
Com as primeiras chuvas, as quais vinham quase sempre acompanhadas de intensos e temíveis relâmpagos e trovões, era comum se observar, muitas vezes, as enxurradas, as águas cristalinas a rolarem pelos campos já relativamente verdejantes, a correnteza do riacho de Ipueiras e do rio Guaribas cheios, os barreiros transbordando, o passaredo nos capinzais, nas cercas e nas árvores; os animais escaramuçando, sentir o cheiro da terra molhada, enfim, toda a natureza em festa. Eram as águas do inverno trazendo a todos o prenúncio da fartura, pois bem sabemos que assim como a luz e o ar, a água é obviamente indispensável à vida na terra. E, por isso, a chuva é imprescindível para a vida no campo, sendo, como sabemos, a precipitação mais benéfica para o homem e os demais viventes. Com as primeiras chuvas apareciam logo os pássaros da estação chuvosa.
Em muitas ocasiões, podia-se observar também, com a chuva já bastante fina, ou, "garoando", como se costumava dizer, e sob um céu impregnado de nuvens carregadas, trabalhadores arando, e de enxada na mão, cultivando/plantando concomitantemente suas terras; enquanto isso, o gado se maravilhava com as pastagens que surgiam milagrosa e naturalmente nos campos do Sertão. Aquele era um momento condizente com a vida do homem do campo. Depois da chuva, as formigas aladas alçavam vôo e serviam de alimento para diversos pássaros, os quais faziam uma verdadeira festa em meio àquela nuvem de insetos ocasionalmente voadores.
Há de se destacar que a relva, ou babugem, como é popularmente conhecida essa espécie de vegetação aqui no interior do Nordeste do Brasil, é aquela erva rasteira e fina, que, com as primeiras chuvas, brota espontaneamente e começa a bordar de verde os caminhos e campos do lugar. Não há caminho ou beco nos campos do Sertão onde não se verifique a presença de ervas e gramíneas, durante a estação chuvosa. Com o advento do inverno, a paisagem sertaneja muda seu aspecto.
E nas nossas chapadas, as quais ficavam um pouco mais distante daqui, o sobosque e a rama vicejante já começava a fechar; e era para lá que se transferia o gado sem bezerro, o chamado "gado solteiro", para lá permanecer solto nos campos durante o período invernoso, em regime/sistema de criação extensivo, alimentando-se da abundante vegetação nativa, nas chamadas invernadas. As vacas em lactação permaneciam aqui.
Colocava-se no pescoço de algumas das reses, um barulhento chocalho de metal, em forma de um pequeno sino, que saía a tilintar pelo caminho, rumo à chapada, onde a rama da caatinga já se encontrava mesmo fechada e bastante favorável à pecuária extensiva, naquele período do ano; embora não muito rica, devido o baixo rendimento. Costumava-se amarrar as reses ao mourão fincado geralmente no centro do curral, onde se processava a "ferra" e a serragem das extremidades pontiagudas de suas armações ou chifres, para assim evitar acidentes entre o rebanho. Daí a pouco, a boiada seguia vagarosamente pela estrada, com destino aos campos livres, seguida de perto por vários "tangedores" ou vaqueiros. O deslocamento dos animais rumo à chapada se dava com maior freqüência, bem cedo, ou seja, nas primeiras horas da manhã. O retorno do gado ocorria mais ou menos nos fins-d'água. Ah, que saudade!
Não muito raramente, podia-se observar também, no início da estação chuvosa, o nevoeiro ou cerração, que eclodia ao cair da madrugada, cobrir parcial ou totalmente as serras e os morros que circundam a localidade, bem como os baixões, naquelas sombrias manhãs de inverno. E em outros casos, podiam-se observar, ainda, gotículas de orvalho cristalinas nas plantações e na vegetação de verde exuberante, bem como em outros objetos.
Após um dia de exaustivo trabalho rural, o sertanejo chegava a sua casa à tardinha, e, cansado mas contente, ouvia muitas vezes mais tarde, o barulho agradável da chuva no telhado, naquelas noites de inverno, associado ao mugido dos bovídeos no curral. Às vezes trovejava a noite inteira. Quando eclodia um pé-d'água ou uma chuva prolongada e torrencial, as goteiras corriam intensamente, e a água-furtada era lançada longe e abundantemente. Na verdade, a inclinação do telhado visa evidentemente o melhor caimento das águas da chuva.
Obs. Do meu livro MEMÓRIAS DO TEMPO. Direitos reservados.
(*) Edimar Luz é escritor/cronista, memorialista, articulista, poeta, professor e sociólogo formado em Recife - PE.
Picos - PI, maio de 2000.