Ciurgia de Apêndice Nominal
Às vezes no silêncio da noite (e no caos do dia também) questiono os parâmetros que norteiam a realidade. Mal de gente pretenciosa que acha que todo mundo compartilha da sua forma exímia e exata de pensar. Mas, por favor, não me critiquem por isso, a vida já puniu bastante a minha absoluta ausência de modéstia e, de certo, vai me bater mais um bocado.
Embora reconheça esse traço inveterado do ego, não dá para deixar de levar em conta que em alguns casos, minhas constatações são razoáveis e tem certa razão.
Por exemplo: em que raios de universo paralelo de uma dimensão invertida uma pessoa que soubesse que alguém que se chama FRANCISCA LUCIANA deduziria que ela iria preferir ser chamada pelo primeiro nome? Tipo, se sou operadora de uma central telefônica e preciso entrar em contato com uma cliente e recebo fichas com nomes como: SEBASTIANA EMANUELE, RAIMUNDA JÉSSICA e EMERENCIANA CARLA, porque diabos eu concluiria que a dita cuja gosta de ser chamada pelo primeiro nome? Ora, bolas, eu iria de cara arriscar o mais bonitinho e deixar em segundo plano a surpreendente possibilidade da criatura exigir: "Me chame de SEBASTIANA, por favor!".
Enfim, essa é a minha lógica e creio que faz algum sentido. Mas todas as vezes que alguém que não me conhece entra em contato é sempre a mesma lenha-lenga: "Eu gostaria de estar falando com a senhora Francisca!". E por mais que eu diga: "Luciana, por favor!", o robô sem iniciativa continua repetindo: "Senhora Francisca, o motivo do meu contato é uma promoção que estamos oferecendo aos nossos clientes e blá blá blá!". Irada, esbravejo que não vou comprar nada e desligo logo.
Entenda a notícia: o motivo do Francisca foi herança de um pai ex-seminarista que calculou que injetar o nome de um santo no meu iria lhe garantir uma filha mais pudica e recatada. Com sorte, uma freira. Pelo amor de Deus, não mereço ser punida pelo fato dos planos dele terem ido pelo ralo. Custa me chamar de Luciana? Até Lulu, alcunha canina, eu aceito de bom grado. Nada contra as Franciscas, Antonias e Raimundas da vida. Mas quero exercer o sagrado direito de ter o segundo nome levado em consideração!
EPÍLOGO
Esse protesto foi publicado no perfil público de uma rede social há algumas semanas e rendeu resultados nada positivos. Ao invés da empatia pela minha dor, os “amigos” passaram a se dirigir a mim através de termos carinhosos, como “Chiquinha”. E a me consolarem com amenidades como “Calma, Francisca!”. Vejam só o que a prepotência faz! Enquanto eu, cheia de razão, me ocupei em criticar a falta de lógica das telefonistas, acabei caindo na própria armadilha. Afinal, em que raios de um universo paralelo de uma dimensão invertida existiriam seres humanos solidários?