Café com afeto

Ela entra na cozinha e amarra o avental com gestos rápidos. Abre os armários e vai tirando potes de especiarias, trigo, açúcar, ovos. Seus gestos não têm indecisão, são firmes, precisos e rápidos. Aquele trabalho parece ser uma extensão dela.

Com gestos enérgicos bate à mão mesmo, uma massa para o primeiro bolo, afinal nenhuma batedeira tem a destreza de sua mão. Parte para o segundo bolo, a broa, uns pãezinhos, e uma grande torta.

Pensa no filho aquela hora tão longe na guerra.

Cada bolo, pão ou torta é uma homenagem a ele, é um treino pra o que fará quando ele voltar.

A carta recebida durante o dia desencadeou uma aflição no seu peito, afinal ele está ferido e ela não pode cuidar dele. Seu coração de mãe se confrange. Ela tem a solução pra sua dor.

Os jovens não deveriam ir pra guerra.

Os jovens não deveriam perder seus sonhos.

Os pais não deveriam passar por essa espera angustiante. Um parto de filho adulto.

Mais de três horas se passaram. Ela olha pra o relogio acima da geladeira, são quatro horas da manhã e ela lava furiosamente as louças, pra purgar toda aquela agonia. O resto da casa dorme e o marido, conhecendo-a tão bem, sabe que ela precisa disso. É sua forma de viver a dor e livrar-se dela.

Cinco horas, o marido vem até ela, abraça-a com ternura e põe o café no fogo. Ela entende a deixa, e de repente como se o cansaço do mundo tivesse se abatido sobre seus ombros, retira-se arrastando os pés para o quarto.

Daí a pouco, o marido chega com uma bandeja de café pra ambos. Eles sorvem aquilo na quietude da manhã que nasce, com o silêncio cúmplice de amigos. Ele come com vontade um pedaço de torta, uma broa e uma fatia de bolo. Ela mordisca algo e se solta nos travesseiros. Ele acomoda os lençóis ao redor dela e sai do quarto sabendo que poucas horas depois ela levantará como nova, disposta e alegre, nessa espera que eles vivem até o filho voltar.

Lá fora, os ruídos normais de outros filhos se preparando pra sair e as exclamações de alegria pela mesa farta. Eles sabem que isso a forma de sua mãe deitar fora suas dores, por isso comem com alegria pra homenageá-la. Sabem que isso lhe devolverá o rosto o sorriso que anima todos eles.