Inguinoranssa, ti queru cumigo agóra!
Quem hoje conhece minha figura agradável, carismática, crocante e modesta certamente não consegue acreditar que eu fui uma daquelas crianças curiosas e insuportáveis, dotada de uma inquietação desgovernada que me fazia cobrir os adultos de perguntas de todos os tipos: das mais tolas e pueris às mais capciosas e desconcertantes.
Não que não desejasse ser bela, rica, adorada e bem sucedida. É óbvio que como toda criança, fantasiava sonhos maravilhosos e destinos gloriosos que com o tempo provaram ser, em sua maioria, exagerados, inviáveis e até mesmo impossíveis. Afinal, quando o Rick Martin saiu do armário frustrou completamente as minhas expectativas infantis de casamento.
No entanto todo esse universo de criança e suas metas e facetas mirabolantes jamais sobrepujou o maior dos meus desejos: conhecer e aprender. Eu sempre quis saber de tudo, entender tudo. Compreender a lógica das coisas, porque elas eram “assim” e não “assado”. OK! Um desejo relativamente comum, diriam vocês, mas que em mim ultrapassava todos os limites do “aceitável” e geravam situações, no mínimo, desconfortáveis. Como colocar o professor numa saia justa perante toda a sala de aula ao levantar questionamentos que, aparentemente, objetivavam atingir sua autoridade, quando na verdade tudo o que eu queria era que as coisas fizessem total sentido pra mim.
Mas o tempo passou. E depois de ter vivido alguns anos e de ter esgotado muito a paciência alheia, cheguei num patamar da existência em que toda essa “bagagem” cultural acumulada através da educação formal e do conhecimento empírico, me deixou com um baita abacaxi nas mãos para descascar. Sim, porque percebi que o conhecimento que busquei por toda a minha vida de forma tão obsessiva, e que sempre idealizei como a chave para a satisfação e a felicidade plena, na prática, não me livrou da tristeza e do sofrimento.
Saber, por exemplo, que o amor é uma reação química orquestrada por substâncias de nomes difíceis não diminui a dor de um coração partido; compreender que a vida transcende a matéria e que o corpo é apenas um invólucro do princípio espiritual eterno não impede o sentimento de saudade de um ente querido que se foi; entender que relações abusivas só são construídas mediante nosso consentimento e fraqueza não evitam que pessoas manipuladoras e interesseiras ajam com ingratidão e crueldade.
Pensar assim me fez sofrer a tal ponto que cheguei a amaldiçoar o conhecimento, a lógica e a razão. Tudo que eu queria era ser um espírito simples e ignorante, tal qual um fã do Restart que se satisfaz com músicas bobas e se deleita com roupas coloridas. Eles, sim, pareciam felizes, em seu total desconhecimento de tudo aquilo que era realmente “útil” e “importante”! E eu, que um dia tanto almejei a sabedoria e a instrução, pensei obsessivamente na ideia de que, quanto menos soubesse, menos sofreria. Mas é lógico que não dava pra voltar atrás. Não poderia simplesmente “desaprender” tal qual uma máquina reprogramável. Sou um ser humano e a lobotomia, pelo menos por enquanto, parecia fora de questão.
No entanto, uma reflexão profunda e sincera fez perceber o tamanho do meu egoísmo e da minha covardia. Viver nunca foi fácil, ninguém jamais disse que seria. Mas viver pela metade seria muito pior: uma “sobrevida” autoboicotada, fugindo da verdade enquanto tantos outros têm essa oportunidade negada pela falta de recursos ou até mesmo por duras limitações físicas. E eu, gozando de saúde (tirando uma dorzinha nas costas aqui e ali), com um cérebro perfeito e sentidos em pleno funcionamento, sonhando com a ignorância? Não, não é por aí. Não PODERIA ser por aí ou a existência humana na Terra nada significaria.
E assim, guiada pelas minhas convicções e dando um generoso desconto na autopiedade, finalmente cheguei à conclusão de que o que vale mesmo não é o conhecimento em si, mas o que se faz com ele. E que toda essa insatisfação e angústia representam, no fundo, o preço por não ter sincronizado teoria e prática. Aprendi muito, fiz pouco. Sobraram neurônios e faltou força de vontade!
E agora que também sei disso, espero não apenas escrever outra página vulgar no livro da minha história. Mas aproveitar, na prática, a valiosa oportunidade de fazer diferente e construir um novo modelo de vida. Palavra de escoteiro!