Gozo siamês
Queria falar da vida. Não daquela vida aguada, quebradiça, mas da vida que mostra os dentes, que sua pra não descarilhar do seu veio, que não deixa de sorrir quando sorrir é única voz. Uma vida que veio do mistério, caiu das asas aflitas do sonho e de lá nunca mais arredou pé. Que foi capaz de amar cada teco de chão em que teve que pisar, que teve a desgarrada alça pra fugir dos medos até que todos os medos fugissem dela. Vida que perde os sonos tantos quantos tiverem só pra encontrar um gozo siamês em que acertasse o tom, o gosto, o jeito. A mesma vida que tantos jogaram no lixo, inclusive eu, embebedados e enferrujadao pelo fardo adverso das remelas revoltas da alma. E que hoje, dentro de mim, sinto que está menos trêmula e até mais feliz. A mesma vida que, por vezes, quis que fosse de qualquer um, menos de mim. E que hoje, que agora, que já, consigo abraçar com aquele imã sorrateiro dos amantes imberbes, com a mesma alegoria que alforriaram meus confins que nunca acarinhei, mas que sempre foram fiéis nódulos de mim, malditos sejam todos eles. Tenho claro que tudo se manda junto com os ventos e que nem sempre dá vontade de beijar, quando o que mais se quer é estraçalhar com os dentes. Sei bem o quanto tive de desdormir pra encontrar meus próprios poros, a minha própria cachoeira, a minha própria mão. Não fiz tudo isso por fé ou por pena de mim, ou de quem quer que fosse. Fiz porque sempre acreditei, mesmo com todas vaias estreiando no lugar dos aplausos, que a minha hora chegaria, e que viria com flores e frutos nada escassos. Era como se uma voz que não era a minha e de ninguém berrasse pros meus confins mais espessos que não deveria atirar a toalha pra longe porque, na sua vez, a minha vez vingaria. Chega de câimbras, de ossos rangendo, de sangue entalado, Chega errar na primeira nota. Agora é o tempo de festejar que só tem um um lugar e um pódium. E serão neles que vou estrear a partir de hoje e para todo o meu sempre.
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