A bela no banho

Ela se ensaboa com movimentos suaves. Estica um braço e vai passando a esponja nele. Faz o mesmo com o outro. Curva-se pra esfregar as pernas e sua longa cabeleira desce como uma cortina.

Ergue-se com movimentos felinos que parecem uma dança, puxa os longos cabelos e vai passando o óleo com especiarias nele. Faz uma frouxa trança que lhe desce até a cintura e senta-se pra ensaboar os pés. Faz isso com movimentos coordenados; depois desfaz a trança e vai lavando o cabelo em mechas.

Está alheia a tudo e nem se apercebe que seu terraço é objeto de olhares cobiçosos.

O marido já lhe falou pra banhar na fonte do pátio interior, mas ela gosta daquela amplidão do terraço superior da casa, de ver o sol descendo nas colinas atrás da cidade, do ar vermelho que o deserto em redor emite nessa hora. O banho parece mais prazeroso. Enrola-se com gestos lentos e entra, sem saber que uma tragédia começou a ser delineada ali.

Numa das colinas mais próximas e alguns metros acima, o rei embevecido contemplava aquele espetáculo. Não o do sol fazendo sombras avermelhadas no céu, mas daquele corpo em seus movimentos lentos sendo acariciado pela sua própria dona, numa coreografia de dança que nem parecia um banho.

O rei entra nos seus aposentos. Está inquieto e manda chamar um ministro que o assiste.

Este chega e ele pergunta quem é aquela mulher.

Resolve que a quer pra si e envia mensageiros à casa dela.

Ela vem, e torna-se sua concubina. O marido está longe, travando as guerras do rei.

Ela engravida.

O rei manda chamar o desafortunado marido e quando este vai prestar contas de seu batalhão, sente-se honrado por ser convidado à mesa do rei.

Ao fim, o rei manda-o pra casa e volta aliviado aos seus aposentos.

No dia seguinte, é informado pelo seu ministro de que o soldado não fora pra sua casa e indagado acerca desse procedimento, diz que não se sente em paz ao deitar-se em lençóis macios, quando seus liderados estão morrendo no campo de batalha.

O rei anda impaciente de um lado para outro e torna a convidar o soldado pra sua mesa. Muitas horas mais tarde, manda-o pra casa e repete-se a fato da noite anterior: ele dorme na calçada do palácio, ao relento.

O rei impaciente, manda chamar seu ministro e designa o lugar de frente da batalha pra o renitente soldado.

Dias depois recebe a triste noticia de que o honrado soldado morreu no front.

A mulher tem o filho e este morre.

O rei fica desolado, mas é confrontado pela única pessoa que ousa dizer-lhe alguma coisa.

Fica em silêncio e reconhece que merece a repreensão. Seu erro começou quando devia estar no campo junto com seus soldados e estava em casa, enfadado, sem saber o que fazer com seu tempo. Lembra-se da postura honrosa que tivera aquele soldado, mais digno do que ele.

O rei Davi, então, escreveu o salmo 51.

Essa mulher algum tempo depois deu-lhe o filho a quem ele chamou de Salomão.