O LEÃO DE GUARULHOS E O CANÁRIO DE TENERIFE.

Renato Rosa é “Merchant d’Art.” Nesse meio, nesse negócio, é respeitado por seus conhecimentos e por sua prática profissional. Nossos contatos são por e-mail, vivemos em cidades diferentes, distantes, e apenas unidas pelo mar da costa brasileira; mas nos conhecemos há umas cinco décadas, a contar de nossos primeiros encontros entre amigos comuns na mesma cidade, no mesmo bairro. Como alguns de nós, e por si só, enriqueceu-se de tudo, a seu modo, a sua maneira, “avec ses propres moyens”. Assim obteve conquistas – e certamente perdas já que a balança do tempo e da vida, vez ou outra, não pende só a nosso favor, pois não é a da justiça, que ainda se acredita infalível, mas sim a do impoderável. Amigos sei que não lhes falta; de longe acompanho sua tragetória profissional, trocamos correspondências, tratamos de assuntos, cotidianos, de lembranças e recordações e de questões, digamos, mais sérias e de relevância. Pois foi tratando de um destes assuntos de relevância que ele motivou-me a escrever e publicamente revelar o que poderia ser privado e de pouco interesse coletivo, tanto a respeito dele, como acabo de fazer brevemente. Porém o fiz para cituá-lo nesse contexto, como farei de mim mesmo bem mais adiante para fundamentar minha possição diante dos assuntos que tratarei nesse artigo : igreja e religião. Pois Renato Rosa, com sobradas razões de indignação, manda-me uma matéria jornalistica publicada no diário La Opinión, de Tenerife, nas Ilhas Canárias, pertencentes a Espanha, onde o Bispo Católico Bernardo Álvarez ao ser entrevistado sobre pedofilia, afirma que ”tem criança que provoca!’’ Alertado pela reporter que o entrevistava que a ‘’diferença entre uma relação homossexual e um abuso está clara...um abuso é uma relação não consentida’’, o Bispo Católico Bernardo Álvarez afasta qualquer dúvida ao responder : “Pode ter menores (de idade) que sim o consintam e, de fato, há. Há adolescentes de 13 anos que são menores e estão perfeitamente de acordo e, além disso, desejando-o. Inclusive, se ficares distraído, provocam-te”. E expõe o preconceito da Igreja Católica contra os homossexuais: “É algo que prejudica as pessoas e a sociedade”. Contraditório, acredita que o homossexualismo prejudique pessoas e a sociedade, mas afirma que há adolescentes perfeitamente de acordo com a prática; posso pensar quão hipócrita é Dom Bernardo Álvarez revelando seus conhecimentos, sua atenção para não distrair-se, pois certamente cairá em tentação e dela para a prática; negando o todo, mas admitindo o particular, e com sua desfaçatez escancarada tenta proteger-se ao afirmar que “as pessoas são sempre dignas do maior respeito.” O que deve significar para esse bispo respeitar com dignidade meninos tentadores e desejosos de fazer sexo com ele num momento de distração?

Da espanhola Tenerife a paulista e brasilina Guarulhos, o atrevido descaramento da Igreja Católica por seus bispos é dogmático; portanto certo e indiscutível.

Dom Luiz Gonzaga Bergonzini, bispo de Guarulhos, que em seu blog aparece também intitulado como o “Leão de Guarulhos”, revela a repórter Cristiane Agostini, do jornal Valor Econômico, com preocupação, uma ameaça à democracia, pois há “uma ditadura gay”, e, pasmem, “uma conspiração da UNESCO transformará metade do mundo em homossexuais”. Todavia não só de preocupações com a democracia ocupa-se o Leão de Guarulhos, além dos ritos eclesiásticos e das cerimônias litúrgicas do serviço divino da religião Católica Apostólica Romana. Ocupa-se do sentimento de pejo, de vergonha “produzidos por atos ou coisas que firam a decência, a honestidade...”, e, sobretudo, com “atentado ao pudor cometido com violência; coito sem consentimento da mulher, ou alguém, e efetuado com emprego da força, quase sempre quando a vitima é menor de idade”, definições que se pode aprender em qualquer dicionário da língua portuguesa sobre estupro e no art. 213 de nosso Código Penal. É crime hediondo e as penas e os agravantes podem levar o estuprador a uma condenação de até 30 anos de prisão. Mas só para o estuprado; não para quem aceita o estupro e ainda transfere à vítima a responsabilidade pelo delito como alardeia na reportagem do Valor Econômico Dom Luiz Gonzaga Bergonzini, bispo de Guarulhos: “Vamos admitir até que a mulher tenha sido violentada, que foi vítima… É muito difícil uma violência sem o consentimento da mulher, é difícil. Já vi muitos casos que não posso citar aqui. Tenho 52 anos de padre… Há os casos em que não é bem violência… ‘Não queria, não queria, mas aconteceu…’ diz a mulher. “Então sabe o que eu fazia?” Nesse momento, o bispo pega a tampa da caneta da repórter e mostra como conversava com mulheres estupradas. “Eu falava: bota aqui”, pedindo, em seguida, para a repórter encaixar o cilindro da caneta no orifício da tampa. O bispo começa a mexer a mão, evitando o encaixe. “Entendeu, né? Tem casos assim, do “ah, não queria, não queria, mas acabei deixando”. (...) O bispo continua com o raciocínio de um estuprador experiente. “A mulher fala ao médico que foi violentada. Às vezes nem está grávida. Sem exame prévio, sem constatação de estupro, o aborto é liberado”, declara, ajeitando o cabelo e o crucifixo, constata a repórter.

O Leão de Guarulhos, bispo Dom Luiz Gonzaga Bergonzini - que considera que uma mulher estuprada e que não está grávida consegue fazer um aborto - e o “amenazado”, mas sempre atento Dom Bernardo Álvarez, o Canário de Tenerife, leem leis e códigos com os olhos estrábicos. Nas Ilhas Canárias não sei, mas aqui no Brasil pedofilia é crime; art. 217-A do nosso Código Penal. Sei dessas questões de leis porque perguntei para um advogado.

Num Estado laico as leis devem ser aplicadas a todos os cidadãos, independentemente de suas convicções religiosas; mas não é assim. Religiões têm privilégios concedidos pelo Estado e igrejas, templos e outros imóveis agregados não pagam IPTU, IR, IPVA e são isentos de uma infinidade de outros tributos sobre a compra e a movimentação de objetos e equipamentos diversos (sinos, órgãos, ostensórios, turíbulos, imagens de santos, verdadeiras obras de arte) adquiridos fora do país são considerados doações de outras ordens religiosas; a lista de privilégios é grande.

As religiões não são criadoras nem guardiãs da ética e da moral; nenhuma delas. A ética, o êthos, é da dimensão pessoal de qualquer atitude humana, enquanto a moral submete-se a um valor. E da ética, como valor social, se chega à lei. A razão, base da moral, sustentada por Kant, não está na prática da moralidade religiosa, pois seus adeptos acreditam numa salvação a depender de leis ditas divinas. Portanto a sociedade humana para ser ética e seguir as leis, instrumentos que nos tiram da barbárie, não necessita de religiões. De nenhuma delas e, especialmente, de seus sacerdotes alçados pelas elites dominantes dessas organizações a guardiães da moralidade.

O filosofo e escritor Jostein Gaarder, que se tornou mundialmente famoso com o livro O mundo de Sofia, tido como literatura infanto-juvenil, mas que, a meu ver aborda certa complexidade filosófica de difícil compreensão para esse público, em sua obra O Livro das Religiões, afirma, muito bem, que todas as religiões exaltam afetos, emoções e sentimentos tais como compaixão, fraternidade, honestidade, cada uma delas a sua conveniência, expondo as fragilidades e as contradições da natureza humana. Nas primeiras páginas do livro autor pergunta “o que é religião?” para responder ao longo de suas páginas, de maneira interessante, sem, entretanto, a profundidade de Schopenhauer, Kant, Nietzsche, Hegel, Sartre e outros mais agudos nessa questão.

Atrevido que sou penso que respondo a essa pergunta em meu livro Além das Portas Azuis. Digo que a religião, essa original criação humana, distorce a razão, impede o raciocínio. Toma para si a verdade e intenta ser a fonte da ética e da moral. É a mais terrível anulação do ser humano. Religião é cultuar e servir a seres supremos que, imaginam os que creem, podem fazer o que querem e quando querem com a natureza e com os seres humanos. Sabem mais do que nós sobre tudo existente, são onicientes, onipotentes e onipresentes; pré-existentes e eternos. Religião é a prática de ritos e de cerimônias que sustentam uma ideia que criada para cultuar um ou diversos seres sobrenaturais e da relação deles com os seres humanos. A religião baseia-se no medo e na culpa. O homem inventou a religião e tornou-se escravo dela, e, em nome dela, passou a justificar todas as ações, boas ou más, que perpetuam uns contra os outros e para justificar o bem e o mal que cometem, seja ou não em nome de Deus. Para justificar ações certas e erradas e isentar o Deus concebido, idealizado, inventou o livre arbítrio. Assim, a escolha é nossa; e se escolhemos somos responsáveis pela escolha feita. Entretanto nossas escolhas não vêm do livre arbítrio teológico, mas sim, da razão, ética e moral; aética ou amoral, antiética ou imoral, que, por sua vez, não advém da religião.

O cristianismo católico garante aos seus seguidores a proteção e a atenção de santos, pessoas reconhecidas por suas virtudes especiais e atitudes admiráveis quando vivas. Por que alguém morto atenderia a um pedido de cura, de salvamento da morte? Que paradoxo! Alguém que já morreu impedir a morte. Quem vivo ou morto, terá esse poder? Ora a morte complementa a vida, fecha o ciclo natural de todas as coisas vivas no universo. Não há como nem há ninguém que possa impedir a morte.

As bases em que se assentam as religiões monoteístas são imaginárias e sem nenhum contato com a realidade, como a existência de um Deus, único e verdadeiro, de uma alma imortal, de um espírito, do livre arbítrio que cada indivíduo possui. Também são puramente imaginários seus efeitos: o pecado, a salvação, a graça, a punição. Essa comunicação entre seres imaginários nega o conceito de causas naturais. E essa teologia imaginária de Reino de Deus, Juízo Final, Vida Eterna, e as interpretações equivocadas de sentimentos gerais, sejam agradáveis ou não, é também uma psicologia imaginária. E com a ajuda da linguagem simbólica da idiossincrasia moral religiosa, do arrependimento, do peso na consciência, da tentação do demônio, da presença e da prevalência de deuses sobre a humanidade, o homem criou a religião. Esse mundo puramente fictício, com muitas desvantagens, se distingue do mundo dos sonhos. Esse, ao menos, reflete a realidade, pois falsifica, desvaloriza e nega a realidade.

Estupro, aborto, pedofilia não são questões para serem tratadas pela religião, mas sim pela lei, pela justiça do Estado de Direito e aplicada a todos os cidadãos indistintamente. Padres, pastores, babalorixas, e morubixabas em geral, devem ser punidos quando infringirem a lei; devem pagar taxas e impostos e devem ter abertas portas e janelas de templos, sinagogas, mosteiros, seminários e outros esconderijos, sem exceção.

Bispos, ou quem quer que faça parte da hierarquia de qualquer religião, em país laico, que fazem declarações com as do Leão de Guarulhos e a do Canário de Tenerife, acobertados por uma suposta “liberdade de expressão” numa sociedade que se entende “politicamente correta”, o que é definitivamente incorreto, se é que isso signifique alguma coisa corretamente, por suas manifestações de fingidas virtudes, criminalizando as vítimas com declarações públicas como as dessa dupla com solidéus a cobri-lhes a tonsura, deveriam ser empalados ou queimados vivos em praça pública, tal qual a Igreja da religião deles fez durante os séculos da Inquisição; especialmente a espanhola, a mais cruel de toda a Europa, sob o comando de Tomás de Torquemada, um sanguinário frei dominicano, apelidado o Martelo dos Hereges.

A hipocrisia da Igreja Católica Apostólica Romana e de todas as igrejas cristãs; e de toda e qualquer religião que se apossam da ética, da moral como sendo suas originais criações criou um paradoxo entre o discurso e a prática. Tomás de Aquino, que misturou filosofia com teologia na Idade Média, tomou Sodoma como a cidade do homossexualismo e criou a palavra sodomia para referir-se ao sexo entre homens. Ao longo dos séculos, porém, desvinculou-se do sentido original e tornou-se sinônimo de sexo anal, indistintamente praticado por homens e mulher, hétero ou homossexuais. Um conflito bíblico e homofóbico já que a Bíblia não se refere à Sodoma e Gomorra a questões de sexualidade.

Entretanto no Livro de Samuel, do Antigo Testamento que conta a histórias dos Judeus e que o cristianismo apropriou-se para justificar a sacralidade dos evangelhos, pode-se ler "a alma de Jónatas se ligou com a alma de David; e Jónatas o amou como à sua própria alma”.

"E Saul naquele dia o tomou, e não lhe permitiu que voltasse para casa de seu pai. E Jônatas e Davi fizeram aliança; porque Jônatas o amava como à sua própria alma. E Jônatas se despojou da capa que trazia sobre si, e a deu a Davi, como também as suas vestes, até a sua espada, e o seu arco, e o seu cinto."

"E, indo-se o moço, levantou-se Davi do lado do sul, e lançou-se sobre o seu rosto em terra, e inclinou-se três vezes; e beijaram-se um ao outro, e choraram juntos, mas Davi chorou muito mais."

"Angustiado estou por ti, meu irmão Jônatas; quão amabilíssimo me eras! Mais maravilhoso me era o teu amor do que o amor das mulheres."

Segundo alguns teólogos a posição majoritária no cristianismo aponta todos esses trechos como se referindo a apenas "amizades" muito fortes, a despeito de o texto falar literalmente em "amor" de um pelo outro, sendo este sentimento relatado como ainda maior do que o tido pelas mulheres, em uma possível referência ao amor erótico. Os religiosos consideram essas passagens bíblicas como forma de demonstração de amizade entre Davi e Jônatas, interpretando o texto conforme as tradições do oriente médio daquela época, e considerando que, como o Senhor reprova o homossexualismo, concluem que Ele não escolheria para rei de seu povo um homossexual. Dessa forma tentam explicar os hermeneutas conservadores:

1. Jonatas tinha amado Davi, pois, sabia da sua vocação para com Deus. Em outra passagem mostra-se a sua fidelidade com a religião, e o amor declarado um pelo outro, em meio a beijos e lágrimas, seria pela expectativa de que David viria a ser o grande rei que fora profetizado, ou seja, amor à vitória e ao ápice de Israel.

2. Beijar-se sempre teria sido um costume do oriente médio, que, não expressaria sexualidade de acordo com a aquela cultura.

3. Davi, no caso, considerado segundo o coração de Deus, estava se referindo que, o amor fraternal valeria mais que a paixão. No caso, o "amor divino" é expresso através da amizade, e Jonatas, que era fiel, tinha preferido Davi a seu Pai, pois, Davi tinha sido escolhido por Deus, logo era mais justo em caráter. Desta forma o amor divino e a amizade superariam a paixão.

Ora, quem concorda com essa exegese?

E para encerrar vejamos como a Bíblia do “Leão de Guarulhos” trata a questão do estupro no Livro Deuteronômio.

“Quando um homem for achado deitado com mulher que tenha marido, então ambos morrerão o homem que se deitou com a mulher, e a mulher; assim tirarás o mal de Israel. Quando houver moça virgem, desposada, e um homem a achar na cidade, e se deitar com ela, então trareis ambos à porta daquela cidade, e os apedrejareis, até que morram; a moça, porquanto não gritou na cidade, e o homem, porquanto humilhou a mulher do seu próximo; assim tirarás o mal do meio de ti.

E se algum homem no campo achar uma moça desposada, e o homem a forçar, e se deitar com ela, então morrerá só o homem que se deitou com ela;

Porém à moça não farás nada. A moça não tem culpa de morte; porque, como o homem que se levanta contra o seu próximo, e lhe tira a vida, assim é este caso.”

O ser humano tende a iludir-se e a acreditar no inexistente e confere superioridade ao que não compreende iludindo-se com fé e devoção nas divindades que cria para satisfazer seus temores. Agindo assim sente-se confortável e amparado por entidades ilusórias dedicando-se a sentimentos que a razão pura elimina.

Dom Bernardo Alvarez, de Tenerife e Dom Luiz Gonzaga Bergonzini, de Guarulhos, entre outros, merecem, além do castigo que propus meu mais solene, majestoso e imponente desprezo.

NOTA - O “Leão de Guarulhos” morreu em junho de 2012 e as declarações foram feitas em 2011. A morte não absolve ninguém, como entendem alguns cristãos, nem apaga e faz sumir o que se fez de bem ou de mal e nem redime aquele que foi mau, evidentemente, durante sua vida. O “Leão de Guarulhos” não escapa dessa verdade; como não escapou da morte.

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 22/01/2013
Código do texto: T4099009
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