A última música
Jéssica nossa única filha não se sentia bem nos últimos tempos.
Levada ao consultório médico, o Dr. Hans foi sincero: câncer na laringe.
Golpe tremendo para nós e Jéssica que era cantora.
Procuramos contornar a situação com palavras de esperanças e bom humor.
Mas tudo nos parecia tão artificial, fora de propósito, inútil.
O tempo dando o aviso, nossa filha estava definhando.
Sem solução médica estávamos desesperados sem ter um ponto de apoio.
Minha mulher acreditava em Cristo, eu era um ateu convicto (tantas barbáries no mundo, injustiças, catástrofes etc... deixei de acreditar).
Todos os recursos médicos foram tentados, a doença não dava sinais de regressão.
O desespero tomou conta dos familiares e a esperança lançada na lata do lixo.
Chorávamos, minha mulher e eu na calada da noite, desesperados.
A menina a cada dia mais pálida e fraca, definitivo sopro de vida.
Bem me lembro, foi no início de primavera que eu falei ao Senhor: “leve-me e deixe-a” já que não podes lhe conceder a cura, não prolongues mais os sofrimentos.
Acordado, chorei incontido por toda a noite.
A esperança, ainda que remota, vagava em minh'alma.
Na manhã seguinte algo estranho ocorreu: Jéssica que não conseguia levantar-se do leito estava à mesa da cozinha tomando um café com leite.
Fiquei perplexo: amor, que ótimo vê-la aqui!
E ela: pai, fiz um esforço tremendo para aqui estar e creio quê valeu a pena, é meu derradeiro instante, um dos últimos desejos.
Poucos instantes depois encontrei-a sem vida estirada no piso frio da cozinha.
Um tênue sorriso permeava seu pálido rosto.
Apenas 21 anos, fora a última música da menina dos olhos celestes.