LEMBRANÇAS 6
Quando meus pais chegaram na cidade não tinham noção que teriam uma filha andreense que mudaria suas vidas e de seus outros três filhos tabapuanenses. Meu pai veio tentar um emprego nas fábricas para fugir da exploração dos donos de fazenda e da nova casa de "mulheres da vida" que estava para inaugurar na rua onde moravam. Ele era homem de acreditar que lá não seria mais ambiente bom para sua esposa e filhos. O dinheiro que trouxe deu para comprar e começar construir com as mãos dele, de minha mãe, irmãs e irmão ainda criancinhas. Uma casa alugada, enquanto a outra não ficava pronta, porém a casa não era boa. Foi um ano de muita chuva e as goteiras eram tantas que molhavam as camas das crianças. Minha mãe se deitava antes para esquentar o lugar onde ia por os bebês. O Niquinho era recém nascido, a Cidinha tinha dois anos e a Maria Helena era a mais velha com cinco . Foi em meio a tanta umidade que quase ficamos sem o homenzinho da família abatido por uma pneumonia. Foram xaropes e benzimentos ensinados pelos mais velhos. Era assim que as crianças eram curadas com a misericórdia de Deus. Então, o Niquinho se salvou.
A casa foi ficando pronta aos poucos com o barro amassado pela minha mãe e baldeado em pequenas latinhas de cera pela mão das meninas fazendo um trabalho de formiguinha. Era assim que a massa chegava nas mãos do meu pai, pedreiro sem nunca ter sido. Minha mãe se dizia sua servente mas era, na verdade a serviçal, companheira e cúmplice das paredes que cresceram tortas e desalinhadas e estes , pela primeira vez na vida, punham em pratica a experiência de criar o teto para morar. As noites a lua era a única luz para o labor daqueles dois que seguiam na madrugada até não aguentarem mais de exaustão.
Um quarto, uma sala, banheiro do lado de dentro – luxo para a época- e um quartinho para a nona. Um puxadinho ou rancho -como minha mãe chamava- com o poço de onde era puxada a água que alimentava a casa e as plantas do nosso quintal que tinha até um pé de café.