O cachorro do bêbado.

Não tinham nome, não tinham casa, não tinham poente.

Sua sina era viver à sombra um do dono, a quem a bebida havia feito um amante fiel.

Por tantas noites tiveram a chuva como açoite sem folga, encharcando a alma até o último fio.

Seu cansaço já corroídos pelo descaso da vida deixavam transparecer ossos fortes, recheados por veias valentes.

Assim foi deixando pegadas junto às pegadas do outro, nunca deixando escapulir quaisquer vestígios de angústia, medo ou tristeza.

Se faziam feliz assim, não sabendo para onde iriam naquele dia e, dessa forma, conduziam cada instante que lhe era parido.

Por vezes, o homem se atracava além da conta com a bebida e desandava a destratar, chutando e blasfemando com todo seu cordel, cuspindo frases imantadas de raiva e desprezo.

Mas, sabe lá o porquê, não arredavam pé, nem a pata, daquilo que lhe fora tatuado como legado.

O amor entre os dois se arrochava num inquebrantável amálgama,

Dessa senzala nunca mais fugiriam, por mais que fosse este o único desejo.

Foram muitos anos se conjugando dessa rotina mambembe.

Um já era parte viva do outro, como se sempre tivessem sido uma criatura só.

Assim foram adiante na partitura que havia lhes sido composta

com estas notas um tanto mancas.

Até que todos seus afazeres se disseram saciados e Deus, por fim, se deu ao trabalho de descansar de vez.

Pois sabia que na pele daquele bêbado e seu cão

sua maior missão estava cumprida.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 20/01/2013
Reeditado em 31/07/2015
Código do texto: T4094556
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