PELA ÚLTIMA VEZ
Aproximando-se paulatinamente o momento do regresso, uma última e só noite ainda se dispunha para nós depois de termos comprado duas baguetes na boulangerie Eric Kayser, logo ali a poucos metros de nosso apartamento. Não poderíamos evitar o fato de que essa noite significava tanto para nós por ser justamente a anterior a nossa partida de Paris no dia seguinte. Não haveria outra, por enquanto, e não sabemos até quando. Paris é tão Paris! Então, por que não sair um pouco por aí depois do jantar? Caminhar devagarinho, vagando à toa, pelo menos nas imediações, rever a Rua do Comércio, onde estamos hospedados, suas lojas iluminadas, os parisienses andando para lá e para cá com seus casacos e cachecóis de marca, a Torrei Eiffel ali pertinho piscando suas milhares de luzes e jogando o brilho de seus estupendos holofotes sobre a cidade, a vida pulsando o charme europeu.
Contudo, nessa noite a capital francesa se preparava para abrir-se à neve que logo viria do céu, o serviço de meteorologia francês avisara no noticiário televisivo, por isso o tempo esfriara bem mais, em alto grau. Portanto, mesmo agasalhados como se estivéssemos novamente na Suécia, foi impossível não sentir a força do frio. As cafeterias próximas, o Mac Donald's, o supermercado Monoprix, o metrô, tudo abrigava os circunstantes noturnos que fugiam do frio. Quem por acaso precisasse andar para chegar ao seu destino, apressava-se curvado na tentativa de evitar o vento gelado no rosto. Em sendo assim, para nós se tornava muito mais difícil perambular pela cidade, de modo que imediatamente entramos no Monoprix para esquentar sob a calefação do supermercado, depois saímos, caminhamos uns poucos metros, deixamos os olhos vagando seus últimos olhares e, não suportando mais a intensidade do frio, voltamos para o apartamento.
Limpeza em regra, arrumação, aprontamos o apartamento nessa mesma noite para entregá-lo ao proprietário ainda mais limpo e arrumado do que quando chegamos. A bagagem também fora devidamente preparada para mais uma viagem em nosso roteiro na Europa, terminava naquela noite nossa estadia em Paris. Mesmo achando por bem dormir cedo para acordar cedo, é lógico, não conseguimos pregar os olhos praticamente a noite inteira. Pela manhã, antes de irmos ao Campo de Marte, eu liguei para a empresa Paris Shuttle, nosso transfer, confirmando o horário em que o transporte deveria vir nos apanhar e levar-nos para o Aeroporto de Orly, terminal West. A comunicação foi um pouco difícil, eu falando inglês, o sujeito do outro lado da linha tentando falar também, até que por fim logramos nos entender e ficou acertado o horário das nove da manhã.
Foi a noite mais insone de nossas vidas, não passamos de alguns cochilos até o amanhecer do dia 18/01/2013 quando, cedinho, tudo escuro como se a noite não houvera acabado, nos levantamos. Se tínhamos que ir embora de Paris, então que fôssemos logo, finalizaram nossos dias nessa metrópoles linda e romântica, agora outras paragens nos aguardavam. Ao fim do desjejum fizemos nova limpeza, de forma geral, e o apartamento ficou um brilho, tudo no seu devido lugar como convém. Vale lembrar, a propósito, uma particularidade interessante e curiosa cujo ressalte é imprescindível: para entrar no apartamento onde nos hospedamos durante um mês era necessário atravessar três portas com códigos digitais totalmente diferentes, a da rua, uma logo depois desta e, finalmente, a da entrada do apartamento. Como se tratava de códigos envolvendo números e letras e completamente diversos uns dos outros, eu os anotei em dois papéis, ficando um comigo e outro com Ana, de maneira que se eu perdesse o meu Ana teria o dela. E vice-versa. Apenas a porta do apartamento necessitava ter os códigos digitados quando saíamos, para trancá-lo, voltando a usá-los ao voltarmos. Daí ser tão importante anotá-los, sob o risco de não entrar se os esquecesse. Nas duas primeiras portas a digitação dos códigos era somente ao chegar.
Procurei avistar o transporte que nos levaria para o aeroporto no momento em que levava a bagagem para a ante-sala do prédio e vi-o, esperando-nos. Peguei o resto das malas, fotografei o apartamento, verifiquei em todos os pontos se havia deixado algum pertence nosso sob ou em cima de algum móvel, saí, fechei a porta, digitei enter, a luzinha acendeu, digitei os números do código e girei a trava duas vezes, trancando a porta. Pela última vez.