A VISÃO DO INFERNO

Eu abri a porta e por pouco não fui engolido pelos espíritos angustiados do local. O bafo quente, cheirando a podre, e gemidos tantos, era a visão do inferno que vi lá.

A sala, a frente, era o próprio inferno materializado.

Segundo a filosofia indiana do baixo Tibet, e eu acredito piamente nela, tudo que existe, por este mundão de Deus, tem espírito. Os bichos, florestas, os minerais, rios, o ar, todos tem uma movimentação molecular que os mantêm vivos e em forma. Uns necessitam de outros para a sobrevivência no estado natural solto na natureza. Mas quando aprisionados necessitam exclusivamente do bicho homem. E o homem é um bicho irracional quando no trato com a natureza. O pássaro na gaiola, a flor no vaso, a pedra que enfeita a parede, a água presa na tina são exemplos de elementos fora de seu habitat natural.

Reza a mesma filosofia que quando aprisionamos qualquer elemento da natureza, a tristeza infinda que se apossa dele é indescritível. É como se arrancasse abruptamente um filho pequeno dos braços da mãe. A mãe morre inconsolável e a criança morre de saudade. É como o lamento da flor à fonte na poesia de Vicente Carvalho.

O pássaro que se prende, a flor que se arranca, a pedra que se tira, a água que se leva é uma iniqüidade que se comete com a natureza.

A visão que tive ao abrir a porta foi a própria iniqüidade.

A um canto, um vaso com a planta pau d'água ressequida, que já tinha entregue o espírito à natureza, estava ladeada pela rosa de pedra, minicactos e bromélias, que mortas de sede choravam sem lágrimas a morte da companheira.

O murmúrio, quase sumido das violetas e antúrios implorando água, cortou meu coração.

Os lírios da paz perderam suas flores, que jaziam secas a seus pés. Eles estavam inconsoláveis, murchos se debruçando amarelos na borda dos vasos.

Tropecei nos ramos secos da trepadeira jibóia e fui ao chão, quase batendo a cabeça no vaso da begônia. A Begônia quase morta, sussurrou em meu ouvido.

- Água por misericórdia - quero água!

Quase todas as flores, em coro, murmuravam aflitas :

- Ai como era boa a nossa vida lá na natureza! Leve-nos de volta para lá! As coisas que aqui acontecem não acontecem jamais lá! Leve-nos, leve-nos rápido para lá!

Peguei o regador.

Aos poucos, fui molhando cada uma delas com um pouco de água, e as que já sem vida estavam reguei para desencargo de consciência.

A vida, aos poucos foi retornando, mas o clamor continuava.

- Leve-nos, leve-nos daqui! As plantas mais restabelecidas, grudando em minhas pernas, em meus braços, gritavam aflitas.

Aquele lamurio cortou meu coração.

- Leve-nos, leve-nos por caridade daqui.

Parei, olhei e duas lágrimas vadias teimaram e sair de meus olhos.

Quase voltei para pegá-las, mas covardemente virei as costas, e fechei a porta sem me importar com elas.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 19/01/2013
Código do texto: T4094044
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.