As Pazes

- Vai com calma. – Diz a minha esposa contemporizadora, perante o meu nervosismo.

Tudo começara uns dias antes após uma acalorada discussão, não resolvida, com o meu irmão Carlos. Na altura da discussão, trocámos palavras azedas, pouco próprias do elo que nos unia.

Eu achava que a razão estava do meu lado, e convenci-me que após o Carlos cair em si, viria ter comigo pedir desculpas, mas não. Os dias passavam e nada de ele vir falar comigo. Orgulhoso, também ele se julgava com razão e não estava disposto a dar o primeiro passo a fim de resolver o quiproquó.

Naquele dia, meio aborrecido com o desenrolar de uns trabalhos que estava a executar, disse para a minha mulher:

- Assim não dá! Vê lá tu que ficaram de entregar os materiais anteontem e até hoje nada… Cambada!!!

-Ó marido! Não vale a pena estares-te a consumir que não resolves nada com isso.

Andava enervado com a situação da entrega da encomenda, que por isto ou por aquilo, atrasaram-se impedindo-me assim, de cumprir os prazos estabelecidos com os clientes.

- Olha! Sabes que mais? Vou ter com o meu irmão à tipografia e resolver o diferendo entre nós.

- Com os nervos com que andas, achas é boa altura para conversares com o teu irmão?

- Qualquer hora é boa, até para lhe dar um chega para lá, se ele me chatear muito.

- Oh António!?...

- Qual António, qual carapuça…até logo, até logo...

Saí de casa um pouco intempestivamente, ouvindo ainda, - Vai com calma. Dirijo-me para a gráfica do meu irmão, sem me passar pela cabeça (soube-o depois), que a minha mulher preocupada, tinha telefonado à cunhada que eu me dirigia ao encontro do marido, um bocado nervoso.

O dia para o meu irmão também estava a correr mal. Um funcionário estragou-lhe um trabalho de impressão. Dando-lhe um enorme prejuízo, de modo quando o encontrei, alertado pela mulher e aborrecido pelo erro do empregado, recebeu-me de semblante encrespado. No entanto aceitou o meu convite para fora dali, numa cervejaria, resolvermos as nossas divergências.

Conversamos e bebemos… e bebemos e conversamos - fizemos as pazes e bebemos, lá fora chovia a cântaros, à espera que a chuva parasse, bebemos.

Por fim a chuva amainou, demos uma corrida até à gráfica, mas a cerveja mal acondicionada, fez com que as pernas do meu irmão tropeçassem uma na outra espalhando-o ao comprido em plena poça de água. Perante a cómica situação, deu-me para gargalhar e entrei em delírio quando Carlos, ajoelhado de braços abertos, rosto virado para o Céu, dizia: - Ai São Pedro, porquê…PORQUÊ?

Sem parar de rir, ajudei-o a levantar-se comentando:

- Estás mesmo todo molhado.

- Pois estou! Por dentro e por fora.

Foi o clímax. Entrei num riso incontrolável, que me obrigou a tirar os óculos com as lentes embaciadas e que só parou quando choquei de frente com o raio d´um poste de telefone, em pleno passeio, para os pobres dos incautos chocarem. Foi a vez do meu irmão se rir como um tolinho, pouco se importando com as dores que eu sentia no nariz e de um alto na testa que ganhei, para mais tarde recordar.

Foi difícil conseguir que a minha mulher acreditasse, à vista do nariz inchado e o galo na testa que eu tinha feito as pazes com o meu irmão.

António Correia, Janeiro de 2013

Lorde
Enviado por Lorde em 19/01/2013
Reeditado em 09/02/2013
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