MATIZES

Minha mãe, mulher de pura ternura que soube me mostrar o que é o máximo do amor, era uma artista nata, capaz de reproduzir qualquer trabalho que quisesse.

Eu admirava especialmente os seus maravilhosos bordados e pequena ainda lhe pedi para me ensinar. Com as dificuldades que todo iniciante tem, me esforçava e sempre comparava com os dela, pensando se um dia conseguiria fazer um igual. Perguntei-lhe isso e ela me respondeu: “Seu bordado já é lindo filha”. Mesmo com minha pouca idade sabia que queria me incentivar, eu estava longe de chegar próximo de sua perfeição.

No dia em que faleceu encontrei sobre sua mesa um tecido com o trabalho iniciado, ainda com a agulha e linha enfiada nele. Uma vizinha dela, pessoa muito querida, aproximou-se, disse que minha mãe estava fazendo aquele bordado para ela. Triste pela perda da amiga, lamentou também ficar sem esta lembrança. Respondi-lhe que eu o terminaria.

Olhei para o pano, as laçadas já não eram mais firmes como antes e segurando a agulha tentava sentir suas mãos ali.

Demorei para conseguir concluí-lo, a cada ponto uma lembrança do seu carinho, as cores das linhas se ausentavam, as lágrimas escorriam e sua ausência dilacerava meu coração...

Minhas mãos perdidas

em bordados sem matizes

a luz é torpe

nos olhos inundados

desenganados

que derramam a vontade

de ver-te vindo

carinhosa me dizer

que o que faço

é lindo

mesmo sem o ser.