"E se plantar não nasce,/ se nascer não dá"
Eu nem sonhava de nascer em Aracaju, a litorânea capital de Sergipe, no instante em que
“Luiz Gonzaga sai de casa em 1930 para servir o exército. Em 1939 tem baixa e, quando adquire uma sanfona, passa a se apresentar em ruas, bares, e mangues, tocando boleros, valsas, canções e tango. Como representante típico do Nordeste, percebe que havia uma carência dos migrantes “nortistas” em ouvir sua própria música, daí que ele passa a tocar xaxados, baiões, chamegos e cocos — ritmos originados do Nordeste brasileiro. //Nesse período, consegue ir ao programa de calouros do Ary Barroso e o seu sucesso como músico nordestino surge naturalmente. Em 1943, apresenta-se com bastante êxito vestido de nordestino. Em 1947, grava ‘Asa Branca’, seu maior sucesso, juntamente com Humberto Teixeira”.
Penso que me referi, em outra crônica, ao Meu cigarro de palha, sucesso de Luiz Gonzaga, primeiro que ouvi, ainda menina, nas emissoras de rádio da minha terra.
Quando o cantor nordestino entoava os versos “Cendo um cigarro vez em quando,/Pra esquecer de me alembrar,/ Que só me falta uma bonita morena”, na minha imaginação passava um filme. Não era o Romeu, nem o príncipe loiro dos contos de fadas que liam todas as meninas da cidade. Era o moreno Luiz Gonzaga, o príncipe cantador, sanfoneiro e montado em seu cavalo, o perdigueiro desembestado o seguia. Eu era a morena que faltava e ele cavalgava me levando pelos sertões de tantos sóis.
O sonho era apenas um sonho e permitido a todos os seres humanos. Segui pela estrada da infância e da adolescência ouvindo Luiz tocar aquela sanfona miserável de tão boa, dancei nos forrós do sítio de minha tia Nair, irmã do meu pai, e professora leiga em Itaporanga d’Ajuda. Ela também desejou o Luiz, só que ela era branca, eu teria tido mais chance. Então, a sanfona e a voz de Gonzaga me balançaram o corpo magrinho nos fortes braços de meus primos sertanejos. Eu fechava os olhos e revia a cena no cavalo do Rei do Baião.
Depois, veio o tempo do Curso de Letras e do preconceito, da vergonha que sentiam muitos em demonstrar que o baião mexia até os quadris da alma de cada nordestino, nascido na capital ou no sertão. Veio a época dos Beatles, de Elvis, de Raul Seixas, dos Novos Baianos e toda a evolução da música brasileira. Dançávamos coladinhos a bossa nova e íamos misturando sons de tantas vozes e instrumentos. Entretanto, lá estava o moreno puxando o fole e penetrando em nossas veias cheias do sangue do mar e da caatinga.
Nós só queríamos um xodó que alegrasse o nosso viver. E ele dava, distribuía, esbanjava. Ô bicho macho, “balance eu". Ele era o cara que o Roberto anuncia ser. Ah, Roberto Carlos, rei também, mas o Luiz é insuperável. Era com ele que a gente queria se meter entre as barracas da feira de Caruaru, se deitar na rede, ouvir um aboio apaixonado, dançar o baião dos namorados e viver numa casa de caboclo que tem “uma roseira/Cobre a banda da varanda/E num pé de cambucá/Quando o dia se alevanta/Virgem Santa, fica assim de sabiá”. Ô vida boa sendo vizinhos de um cantador.
Enfim, a modernidade chegou aos United States of Piauí e ficamos como a prima que
“Deixou de fazer renda só pra ver novela
A minha prima lá do Piauí
Não bebe mais garapa: vai de coca-cola
Luz de Candeeiro não se usa mais
Luz artificial substitui o gás
Calça de couro, alvorada e brim
Deram o seu lugar pra uma tal calça lee
A minha prima escreveu pra mim
E não fala "venha cá", só fala "come here"
Vou mandar minha resposta breve
Para United States of Piauí”
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OBSERVAÇÕES:
Sobre a regência do verbo SONHAR, temos que:
(...) Francisco Fernandes, na acepção de pensar com insistência, de ter ideia fixa, ensina que o verbo sonhar pede a preposição em: I) "Amo-o, desejo-o, nele cuido, nele sonho" (Júlio Castilho); II) "E depois de se deitar e adormecer, sonhava... Em quê? Nas combinações infinitas da matéria eterna" (Alexandre Herculano).
Já no sentido de ver em sonhos, recomenda o mesmo autor o emprego da preposição com: I) "E sonhava com a Glória Neves, que lhe pedia morrer às suas mãos zelosas" (Cândido Jucá Filho1). Essa também é a posição de Celso Pedro Luft2.
Em posição mais liberal, Domingos Paschoal Cegalla entende que, no sentido de pensar constantemente, de desejar vivamente, devem ser aceitas as duas construções (com e em): I) "O pobre sonha com uma vida melhor"; II) "Sonha em possuir um pedaço de terra"3.
1 Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. 4. ed., 16. reimpressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1971, p. 553.
2 Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Verbal. 8. ed. São Paulo: Ática, 1999, p. 488.
3 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 380.
Disponível em <http://www.migalhas.com.br/Gramatigalhas/10,MI92472,101048-Sonhar>
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2. Sobre a regência do verbo SONHAR, neste texto, de forma ainda mais liberal, acrescento a informação de que a linguagem coloquial sergipana apresenta a regência com a preposição DE, com a expressão EU NEM SONHAVA DE NASCER, como a usamos no início deste texto.
REFERÊNCIAS
(Martins e Peixoto, 2007, p. sem numeração. Disponível em http://www.ippucsp.org.br/dowloads/anais_14o_congresso/A-C/AnaCristinaSantosPeixoto.pdf Acesso em 16 de janeiro de 2013).
http://www.migalhas.com.br/Gramatigalhas/10,MI92472,101048-Sonhar