O merchandising da Galinha ao molho diazepan
Fui hoje pela manhã ao oculista e aproveitei para levar alguns exemplares do meu livro para, possivelmente, fazer a sua divulgação na base do "boca a boca" com os outros pacientes que também aguardavam atendimento.
Cheguei todo empolgado, encarei a atendente e fui logo intimando: Olha só, Galinha ao molho diazepan! - disse isso, ao mesmo tempo em que já quase esfregava na sua cara um exemplar que pegava fogo em minha mão. Ela, a atendente - parece que esse pessoal é treinado para abortar situações desse tipo - repousou educadamente o livro sobre o balcão e, como se nada tivesse acontecido, disse fleumaticamente: documentos, por favor, senhor. Tudo bem - pensei - entregando-lhe minhas credenciais, um pouco constrangido pelo balde de gelo seco sobre a minha cabeça. Já ia sentar, quando contei um, dois... seis! - duas senhoras idosas, um casal de jovens aos beijos e abraços, um careca saindo do banheiro (esqueçam o estigma) e um velhinho de uns oitenta anos concentrado na sua leitura da Exame. Não perdi tempo, fiz mais ou menos como aprendi vendo os ambulantes dentro dos ônibus, ou seja: Senhores, bom dia, eu sou Masé, escritor, e estou aqui com a Galinha ao molho Diazepan para vocês provarem. - Com exceção do casalzinho, todos se voltaram atônitos para mim. Aí já viu, né, fui explicando logo que a minha pretensão era a de diminuir a distância entre produção artística e a sua demanda... - o velhinho da Exame atalhou: Just in time! - aquiesci, levantando uma sobrancelha, mas continuei enloquentemente: esse livro se propõe basicamente a mudar as suas vidas! - o rapazinho retirou rapidamente a língua de dentro do ouvido da mocinha e ambos se entreolharam desconfiados, mas, finalmente, se recompuseram e resolveram dar uma trégua àquele chupa - chupa, virando o olhar, os dois, na minha direção. Ainda como no ônibus, não perdi tempo, praticamente fui jogando a minha obra - mor no colo daquelas pessoas, enquanto repetia a cada novo arremesso: Jovelina... Jovelina... Jovelina... - esse é o nome de um dos contos mais palatáveis do meu livro - eles entenderam.
Sentando-me do lado oposto, enquanto aguardava o desfecho de suas intenções, senti-me o próprio Machado de Assis, de olhar "oblíquo e dissimulado", me deliciando com aquela cena coletiva de leitura.
O careca foi ao banheiro com o meu livro... está demorando! - avaliei.
Duas enfermeiras entraram rapidamente na sala e cada uma colocou um pouco de colírio nos olhos das idosas, mas parece que elas estavam gostando da leitura e... olha lá, continuam e estão lendo o conto do "Bilau Subversivo!"
O careca saiu do banheiro bastante suado.
Mais uma vez, as duas enfermeiras retornam à sala; dessa vez foram o casalzinho, o careca e o velhinho que colocaram colírio, e as duas velhinhas foram chamadas para dilatar a pupila lá dentro.
Resolvi apelar: e aí, casalzinho, vocês estão gostando do livro? Ouvi um "só" sonoro do rapazinho, que faturei como um "estou adorando, vou comprar o seu livro".
As duas velhinhas voltaram tateando pelas paredes - a coisa não está ficando boa aqui - pensei.
O careca foi novamente ao banheiro.
As duas enfermeiras entraram novamente na sala e uma delas falou: senhor Masé? - Sim, respondi, venha conosco - falaram numa só voz, como em um uníssono. Instintivamente,olhei ressabiado para trás de mim e tive a impressão de ver, enquanto ia, sob o comando das duas moças, um meio sorriso enigmático da atendente.
Lá dentro fui entregue ao médico que, com base no meu prontuário, foi logo ejaculando bastante colírio nos meus olhos, dizendo tá acompanhado, vai ter que aguardar umas duas horas lá fora! Eu não estava acompanhado; - voltei para a sala me arrastando pelas paredes não enxergando quase mais nada e fui logo resmungando, porra, ficar duas horas sem enxergar nada!
O velhinho - ah velhinho desmancha prazeres! - se aproximou de mim e, tocando no meu ombro, disse que estava devolvendo o meu livro, apesar de ter se interessado pelas histórias, porque só comprava se fosse com dedicatória e autografado. Como não tinha tempo para esperar aquelas duas horas para eu escrever...
Efeito dominó, parece que, se havia interesse de alguma daquelas pessoas em adquirir o meu livro, de uma hora para outra isso exauriu como éter. Todos,mecanicamente, foram me entregando os exemplares emprestados, alegando qualquer motivo, menos o careca. Cadê o careca?! - pensei.
Eu acho que, por ter ficado de olhos fechados todo aquele tempo, acabei pegando no sono, pois quando abri os olhos e percebi que tinha voltado a enxergar, vi que todos os outros já tinham ido embora; apenas o careca ainda estava ali, andando de um lado para o outro da sala e parecendo bastante preocupado.Quando ele percebeu que eu tinha despertado, rapidamente se aproximou com o livro na mão e perguntou quanto era, eu disse vinte e cinco reais, me dê aqui que eu vou colocar numa sacolinha e... o que aconteceu, o livro encolheu?! - falei. Precisa sacolinha, não, seu Masé - toma aqui o seu dinheiro - O careca arrebatou o livro da minha mão e saiu a toda. Quando ele já estava na porta do elevador, lembrei-me e perguntei: e a dedicatória? Ele fez um sinal com a mão como quem diz ah, deixa pra lá, e sumiu no corredor.