A VINGANÇA E A JUSTIÇA
 
     Com a derrocada da Igreja Católica no papel de quarto e mais importante poder (por muito tempo, o primeiro poder), presenciamos a assunção de um substituto, que, inteligente, não se diz Deus, mas age como se fosse. Esse novo quarto poder, genericamente chamado de "mídia" avocou para si direitos que nenhum cidadão, nem qualquer outro poder instituído tem: a liberdade e a impunidade irrestrita. Vejo levantarem-se clamores veementes quando a mídia é atacada e restringida em determinadas atividades, ou quando é condenada pelo Judiciário por uma atividade que fere a lei ou a Constituição. Esse poder é tão forte que ele próprio se julga e divulga o texto da sentença, quase invariavelmente favorável aos interesses dos que detêm o seu controle.
     Não sou contra a liberdade da imprensa séria, comprometida com a verdade e o interesse comum da sociedade. Entretanto, não aceito o discurso de que toda a mídia é séria, honesta e comprometida com a verdade e o interesse comum da sociedade. A história mostra que, ao longo de séculos, a imprensa tem servido aos poderosos e, o pior, adotando a forma mais perversa que se pode imaginar, que é o disfarce, tem usado o discurso enganoso do amigo que afaga o teu ombro, enquanto os comparsas saqueiam tua casa. Desconfio das mídias ditas "isentas" e desconfio também dos protagonistas da imprensa que fazem pirotecnia, pois esse teatro é planejado  para manter o emprego e preservar a cara dos verdadeiros articuladores da manipulação de interesses dos poucos que sempre estiveram no poder: lembrem de alguns cronistas gauchos, expostos de forma grotesca por uma poderosa rede de comunicação durante o governo do PT no RS e que hoje estão marginalizados: eram pagos para defender a ideologia da empresa, mas acabaram pagando o pato pelos excessos. Foram condenados em julgamentos pelo Poder Judiciário, através dos devidos processos legais. Mas a empresa continua sólida e próspera.
      Relembrando um fato marcante: José Paulo Bisol participava da chapa de Lula, como candidato a Vice-Presidente, em 1994. Devido a denúncias (pela empresa acima referida) de que teria apresentado emendas superfaturadas para beneficiar o município de Buritis, onde possuiria fazendas, viu-se obrigado a renunciar à candidatura, para não prejudicar Lula. Através de ação judicial, ficou comprovado que os fatos eram inverídicos e Bisol ganhou uma polpuda indenização, que distribuiu para entidades assistenciais. Exceto algumas pessoas interessadas, ninguém lembra desse fato. Lula perdeu a eleição e a indenização paga pela empresa, ainda que vultuosa, foi compensada anos depois com algumas vantagens que merecem ser descritas em outro manifesto.
     O conhecimento humano levou milênios para construir a figura do Poder Judiciário, criando mecanismos que buscam a igualdade na tentativa de se alcançar a verdade e esse poder, sim, tem que ser o mais forte nas democracias. A mídia simplesmente despreza o conhecimento conquistado pela humanidade e se utiliza de mecanismos próprios para acusar, julgar e condenar a quem lhe interessa. No mais das vezes são pessoas que ousaram atravessar o caminho de algum grupo poderoso e devem ser afastadas.
     Por outro lado, acho fundamental a existência da mídia, pois, foi através dela que se pode ter o conhecimento e erradicar enormes falcatruas e idiossincrasias desse mundo em que os desposssuídos continuam, e continuarão por muitos séculos, perdendo a luta desigual que se trava no dia a dia da necessária caminhada em busca do justo.
     Mais recentemente, vi ser alçado à condição de “herói nacional”, pela mesma mídia corrupta e corruptora, um ministro do STF. Lamentável figura de “Justiceiro”, que deveria ter se restringido ao papel de aplicar a Justiça, mas não quis, por razões que acredito conhecer, mas evito comentar, por ética.
     “Justiceiro” é aquele que aplica uma justiça própria ou de interesse de uma corporação, nascida de vivências e convencimentos construídos ao arrepio da lei, desprezando a justiça construída pela doutrina do Direito ao longo de séculos.
     “Justiceiro” me lembra Torquemada e Carandirú.
     Embora meu instinto de leigo me instigue a aceitar execuções sumárias de “bandidos”, minha formação jurídica me lembra severamente que a “vingança” está muito próxima dos instintos animais e a aplicação da justiça é a manifestação mais divina do ser humano.
Nelson Eduardo Klafke
Enviado por Nelson Eduardo Klafke em 17/01/2013
Reeditado em 17/01/2013
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