Entre os políticos e os jegues

     Pra quem não mora na Bahia.
     Salvador. A procissão sai da igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, na cidade baixa. E depois de percorrer 8 quilômetros pelas ruas do comércio, chega, solene e sob intenso foguetório, na colina sagrada.  No alto da colina está a Basílica do Senhor do Bonfim; Oxalá, no candomblé. E dá-se a secular Lavagem do Bonfim. Lava-se o adro e as escadarias do Santuário.

     A Lavagem do Bonfim, como dizem os soteropolitanos, ocorre, todos os anos, na segunda quinta-feira  depois do Dia de Reis. 
     Não é a festa do Bonfim; favor não confundir. A lavagem é uma manifestação popular afro-religiosa iniciada em 1773, unindo, num só festejo, gente católica com gente do candomblé. 
     O sincretismo religioso, nessa ocasião, é revelado com exemplar naturalidade. Oxalá e Senhor do Bonfim caminhando juntinhos numa homenagem respeitosa e leviana dos seus adeptos e devotos.
     A procissão que precede a lavagem, é um espetáculo. Conta com a participação - como seu principal destaque - de centenas de baianas vestidas a caráter, algumas com quase cem anos de idade, carregando nos ombros vasos coloridos com água perfumada: é a famosa água de cheiro.
     Acompanham as baianas, turistas, charangas, bandas de música improvisadas, o belíssimo afoxé Filhos de Gandhi, dezenas de carroças puxadas por animais, principalmente jegues, enfeitados, elas e eles.
     Muita gente vê na Lavagem do Bonfim o primeiro grito do badalado carnaval baiano.
     Do cortejo também participam políticos da Bahia e do Brasil. Que aproveitam o cenário para distribuir sorrisos, abraços e beijos. E a multidão aproveita o mesmo cenário para aplaudi-los ou vaiá-los. Diz um amigo meu com muita propriedade: "É um teste!"

     Houve um tempo em que se lavava o interior do Templo. Tantos foram os abusos, que a Arqui-diocese de Salvador decidiu, em boa hora, proibir a lavagem da parte interna da centenária Basílica.
     As portas do santuário permanecem fechadas enquanto durar, no seu adro e adjacência, a festa que, de repente, se transforma numa fuzarca nitidamente profana.

     Tentou-se proibir a presença dos jegues na procissão, "para preservar a dignidade" do velho e paciente muar. 
     Argumentou a entidade protetora dos animais e até o Ministério Público da Bahia, que os jumentos, durante o longo cortejo, são maltratados, o que não é verdade. Desconhecem a resistência do jegue. 
     Nas lavagens que acompanhei, nunca vi um só jegue  sofrer qualquer ofensa física.
     O assunto foi parar na Justiça. E o Juiz da causa, numa contestada sentença, proibiu a presença dos jegues na lavagem. Houve recurso e a sentença foi revogada. Ficou, portanto, assegurada a participação dos jericos nas homenagens ao Senhor do Bonfim, amigo dos jegues, como consta de várias passagens bíblicas.

     É assim a Lavagem do Bonfim, que terminou, faz algumas horas.

     Notícia de última hora: pelos corredores da cidade correm rumores de que ao Judiciário será pedida a proibição da presença de políticos na Lavagem do Bonfim. 
     Tem muita gente acreditando, eu inclusive, que Themis, que fora ostensivamente favorável aos jegues, não levantará uma palha em favor dos políticos.  É só esperar.
     
     
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 17/01/2013
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