Quando as aves saem do ninho
Quando as aves saem dos ninhos...
Sempre que ocorrem as mudanças de estação, a gente vê bando de aves cortando os céus, em busca de um lugar onde a primavera ainda exista para pousar. Nesse mundo de tantas voltas, voar para mais perto do sol só é possível para aqueles que têm asas ou coragem de correr atrás de seus sonhos. Assim como nossos filhos, quando crescem. Fico pensando na nossa missão de pais, procurando tornar os caminhos mais seguros e bonitos para a caminhada deles. Esquecemo-nos de nós, guardamos nossos sonhos nas gavetas, ficamos esperando que eles cresçam para poder assumir os prazeres que abandonamos lá fora para nos concentrarmos apenas nos prazeres deles. E nos apropriamos de seus sonhos, que passam a ser também nossos e passamos compartilhar a luta. Nossos sorrisos passam a ser reflexos dos sorrisos deles. Se choram uma lágrima macia, nós a sentimos cortante, perfurando bem fundo a nossa alma. Sentimo-nos jovens convivendo com as suas fases inevitáveis, com os ritmos loucos e ídolos estranhos, despertando nossos medos quando começam a colocar as asas de fora para as primeiras baladas, as primeiras saídas com o carro. Quando chega o sufoco do primeiro vestibular estressamos junto, sofremos a mesma ansiedade e expectativa na espera do resultado. E nos sentimos verdadeiros superheróis quando os vemos de cabeça raspada ou pagando um mico com os amigos por ter conseguido a tão sonhada vaga na faculdade. E de repente... Despertamos com o coração na mão diante da imagem da mala que começa a ser arrumada. Só então nos lembramos que o alcance dos sonhos significa distância, que a nossa criança vai sair do ninho e voar para um lugar desconhecido, longe dos nossos olhares vigilantes. A alegria do sonho alcançado passa a dividir espaço com a angústia da inevitável partida. Vem uma vontade louca de colocá-los debaixo das asas e não deixá-los sair mais, para não perdê-los nesse mundo louco que corre lá fora. Mas a realidade nos chama à razão e sufocamos o grito que sentimos vontade de dar, pedindo que fiquem. Nosso abraço é um martírio invisível feito em silêncio, onde ficamos sorrindo com lágrimas nos olhos, pedindo a Deus que proteja e nunca abandone nossos filhos no voo que agora irão fazer sozinhos. O ninho agora ficou vazio. Nos primeiros dias, caminhamos sem rumo pelo meio da casa, fechando a porta dos quartos para não ver a saudade que ficou lá dentro. E então começa a contagem regressiva para o caminho de volta. Quando a noite chega, sempre tem uma janela para olharmos as estrelas, que nos fazem também sentir saudade de nossos pais que imaginamos nos olhar lá de cima, depois de terem passado pela mesma dor que sentimos agora ao ver o ninho vazio. Então começamos a sonhar com o amanhã que pode demorar um pouco, mas vai chegar. E nesse dia, eles virão.Talvez só de visita, porque depois que conhecem a imensidão do mundo e a liberdade do voo, passam a não caber mais no antigo ninho. Querem construir um só seu, para manter a continuidade do bando. Assim é a vida. Amanhã estarão como nós, olhando o céu pela noite e nos imaginando sorrindo, vibrando por eles no brilho das estrelas.
maria do rosario bessas