Meias Sem Par Anônimas
Deve existir um lugar onde todas as coisas que somem sem explicação, como: guarda-chuvas, tampinha de caneta, palheta, etc. se reúnem. E dentre elas com certeza devem estar as meias. Porque é impressionante como elas desaparece. E é sempre uma meia. É como se ela tivesse que seguir o caminho dela. Como esses indígenas desses filmes. Quando completam uma certa idade tem que deixar a tribo. A meia quando completa um tempo de uso tem que andar com as próprias pernas. Ou no caso, sem as próprias pernas. Num dia ela está ali, no seu pé, te aquecendo, no outro ela foi embora. Buscar o caminho dela.
E como é sempre uma que some, a outra fica. Sozinha. Esquecida. Não tem mais utilidade. Assim como existe um lugar onde essa aventureira solitária vai, deve existir um outro lugar onde essa que ficou frequenta. É esse mundo paralelo onde o pé que ficou vai procurar ajuda pra superar o abandono, o M.S.P.A = Meias Sem Par Anônimas.
Reunião do M.S.P.A
- Eu não sei o que aconteceu. Nós estávamos juntos, estávamos bem, tínhamos ido passear um dia antes, fomos ao shopping, comemos, fomos no cinema, até vimos algumas casas novas, bonitas, confortáveis. Curtimos o dia inteiro. Então de noite o Pablo nos tirou e jogou um em cada canto, como sempre fazia. Depois a mãe dele veio recolher roupas que estavam espalhadas pelo quarto – como sempre reclamou dele deixar as roupas espalhadas pelo quarto – pegou tudo e levou para lavanderia, nós fomos também, novamente juntos, mas ele já estava diferente, perguntei se estava tudo bem?, ele falou que sim, que só precisava descansar. Eu respeitei. No outro dia cedo a Fatima, diarista da casa, nos levou pra tomar banho. Entramos juntos na maquina. Mas ele ficou distante, juntos com as outras meias, as soquetes, foi a ultima vez que eu o vi. No varal já estávamos separados. Me colocaram com o Paulo e a Andressa. Choveu. Ficamos bastante tempo lá e nada dele dar as caras. Quando nos tiraram do varal e levaram para atrás da geladeira achei que o encontraria por lá, mas não. Nem sinal. Fui para gaveta e fiquei solta lá. Cada vez que abriam acendia uma chama de esperança no meu peito, imaginava ele chegando, pra finalmente matar a saudades e nos enrolar novamente. Nunca era ele. Foram chegando meias novas, novos casais e eu ali, sozinha, solta no meio de tantos pares, deslocada. Vez ou outra aparecia mais alguém sozinho. Um dia o Pablo até tentou armar um encontro pra mim com um desses pares soltos, mas não deu. Não rolou química. Não combinamos. O tempo passou e nada dele voltar. Então fim do ano na época de dar uma geral nas coisas eu fui despejada. Atirada nessa sacola de meias sem par. Até hoje ainda sinto saudades dele, afinal ele era minha alma gêmea. Tinhamos sido feitos um para o outro e onde quer que ele esteja tenho certeza que ele também esta pensando em mim. Mas eu vou seguindo assim, um passo de cada vez, no caso sempre o passo direito, já que ele era o esquerdo. – ela começa a chorar, as outras meias vem para acalma-la.
- Muito obrigado pelo testemunho. Por dividir isso com a gente.
Silencio.
- Quem vai agora?
A cueca sem elástico levanta-se