Um anjo me falou
_Aceita?
Pega de surpresa, olho para a dona da voz. Vejo uma pequena menina. Uns quatro anos, no máximo. Os cabelinhos loiros emolduram um rostinho sujo pela vida na rua. Roupas amassadas e mal cuidadas. Olhinhos azuis brilhantes me olham com indagação.
A mãozinha estendida me oferece uma flor. Na verdade, uma daquelas flores que crescem à solta nas calçadas.
Sentada no chão e próxima da menina, uma mulher de aparência nada simpática, olha a cena. Desvio o olhar e me volto para a menina. Ela, totalmente alheia ao movimento e barulho da rua, me olha sorrindo.
_ Toma, é sua.
_ Obrigada. Qual o seu nome?
_Meu nome é Leticia. Mas todo mundo me chama de Lica.
Tento puxar conversa....
_Você tem irmãos?
_Tenho sim, mas ele é bem pequenininho. Fala e ergue o queixinho para o alto. Cabeça inclinada para o lado, mãozinha escondendo os olhos do sol.
Faz muito calor, mas nuvens escuras ameaçam chuva.
_ E você mora longe daqui?
_ Moro sim.
_ Vem sempre por aqui?
_ Venho quando minha mãe pede. Ela fica em casa e eu venho aqui para ganhar dinheiro. Então, eu levo pra ela.
_Seu pai trabalha?
_Não tenho pai não.
Fico sem saber o que falar, o que fazer. Mas não quero sair dali. É apenas uma criança, pelo visto explorada como tantas outras.
Abro a bolsa à procura de dinheiro.
_ Não quero dinheiro não. A flor é um presente pra você.
_ Lica, deixa de conversa, menina. Não viu os “carro” não? É a mulher falando em voz alta e dura.
Ela se vira e abanando a mão, “tiau dona”, corre para a rua.
Mãozinha estendida, vagueia entre os carros enfileirados.
Olho para o presente em minhas mãos e em direção à menina. Ela me sorri, abana a mão e se coloca na outra calçada. O sinal abriu .
Entre os carros, eu ainda a vejo. Cabelinho voando ao vento da chuva que não vai demorar. Parece absorta e séria.
Não me vê partir.
Caminho devagar. Minha casa me espera. Onde tenho mais do que preciso para viver com dignidade.
O que será que espera aquela criança? Onde dorme, o que e quando come?
Sinto um peso no peito e uma enorme vergonha. Por fazer parte de uma sociedade onde anjos andam pelas ruas. Anjos com fome, falta de cuidados, sem horizonte que não o da miséria e injustiça.
Não consigo segurar as lágrimas e me sinto pequena, muito pequena.
Nesta tarde, um anjo rico em luz veio falar comigo. E me deu uma flor.
A mais bela e preciosa que eu já tive.
E que será guardada para sempre.