A visita cruel do tempo. É ele mesmo o culpado? - uma crônica reflexiva

Leio um interessante livro da escritora americana Jennifer Egan sobre decadência e resignação e as constantes mudanças causadas pelo transcorrer do tempo. Em A Visita Cruel do Tempo, livro de ficção vencedora do Pulitzer de 2011, Egan aborda aspectos da vida dos personagens, contando-nos sobre o presente e revisitando o passado deles.

Separação, perdas, drogas são temas recorrentes ao tratarmos sobre o tempo. Será ele mesmo o culpado por nossas decepções, as dores não curadas, os projetos não realizados? É o tempo que nos faz mais amargos, menos crédulos? E para um mundo de pessoas é o tempo, esse mesmo, o responsável por trazer esperança, doçura e alegria?

O tema sobre a passagem do tempo me faz revisitar a literatura. Em Drummond, considero fantástico quando ele nos pergunta se o tempo passa. Ele próprio nos responde: “Não passa no abismo do coração/ o tempo nos aproxima cada vez mais, nos reduz a um só verso e uma rima de mãos e olhos, na luz./Não há tempo consumido nem tempo a economizar./ O tempo é todo vestido de amor e tempo de amar./São mitos de calendário/ tanto o ontem como o agora”. (O tempo passa? Não passa. In CDA, Obra Poética)

Em O Relógio, Vinicius de Moraes faz uma brincadeira com o tempo, considerado por ele como fugaz. As palavras revelam o caráter jocoso do poeta, é uma delícia: “Passa tempo, tic-tac, tic-tac, passa hora, chega logo, tic-tac/ tic-tac e vai-te embora”. Será mesmo o tempo fugaz? Não seria uma armadilha considerá-lo passageiro?

Já Mário Quintana dá ao tema um ar de seriedade e nos adverte sobre a transitoriedade do mesmo: “A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê já são seis horas! Quando se vê já é sexta-feira! Quando se vê já é natal... Quando se vê já terminou o ano... Quando se vê perdemos o amor da nossa vida. Quando se vê passaram 50 anos!”.

Quantos de nós zeramos o dever de casa, o fizemos pela metade ou sequer pensamos em fazê-lo! Tempo perdido?

Para Cecília Meireles, o tempo é desumano. “O tempo seca a beleza/ seca o amor/ seca as palavras./deixa tudo solto, leve, desunido para sempre como as areias nas águas”. Como pode o tempo secar a beleza, o amor, as palavras, as lembranças e até a saudade? Pode o tempo secar o desejo? Deixar tudo desunido? (O tempo seca o amor in Retrato Natural, 1949). Esse pensamento não seria demais pessimista, de um existencialismo cruel?

O que dizer sobre o Sermão do Mandato do Pe Antônio Vieira, o maior orador da língua portuguesa, proferido por volta de 1650 ? “Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera!”. É simples assim, tudo cura o tempo, faz, de fato, esquecer, acabar? Ainda que a linguagem rebuscada, repleta de figuras de linguagem (hipérbole, anáfora, comparação, metáfora) do homem barroco busque nos convencer, ainda assim nos é permitido o direito a dúvida, a contra argumentação.

Ricardo Reis, o poeta clássico do modernismo, heterônimo de Fernando Pessoa, nos dá um conselho precioso, ele simplesmente nos dita aproveitar o dia. Deixar de lado o passado porque não pode ser vivido e não buscar entrever o futuro, o que é uma tolice. “Uns com os olhos no passado, veem o que não veem; outros, fitos os mesmos olhos no futuro, veem o que não pode ver-se. Por que tão longe ir pôr o que está perto – A segurança nossa? Este é o dia, está é a hora, este é o momento, isto é quem somos, e é tudo. (...) Colhe o dia, porque és ele. (in Odes de Ricardo Reis, obra Poética de Fernando Pessoa)”.

Há também canções deliciosas que tratam dessa temática com maestria. Numa canção de uma doce melodia, Caetano Veloso faz um acordo com o tempo, pede-lhe que conceda ao seu espírito um brilho definido, em troca promete-lhe elogios e reconhecimento. É um acordo velado, mas sincero. “Tempo, tempo, tempo/ vou te fazer um pedido/ entro num acordo contigo/ és um dos deuses mais lindos/ouve bem o que te digo/peço-te o prazer legítimo/e o movimento preciso/de modo que o meu espírito/ganhe um brilho definido/ e eu espalhe benefícios/portanto peço-te aquilo/ e te ofereço elogios/ tempo tempo tempo tempo”.

O mestre Lulu Santos, compositor de Dinossauros do rock, em Tempos Modernos prega que o tempo voa e, portanto, devemos viver tudo que há para viver. Para Lulu, haverá uma vida melhor no futuro, sem hipocrisia, repleta de toda a satisfação. Mesmo assim, “Hoje o tempo voa amor/escorre pelas mãos/ mesmo sem se sentir/não há tempo /que volte amor/ vamos viver tudo/ que há pra viver/ vamos nos permitir...”. Linda composição!

De Renato Russo, um dos maiores artistas da música brasileira, aponto duas canções que dizem muito. Em Tempo perdido, o pai do Legião Urbana enaltece a juventude e nos apresenta dois contrapontos. Ao acordar, todos os dias, ele percebe que não tem mais o tempo que passou; mas tem todo o tempo do mundo; ao dormir, todos os dias, esquece o que passou e segue em frente, pois não há tempo a perder. Penso que ele tenta nos dizer que somos jovens e, portanto, “temos todo o tempo do mundo” e “temos nosso próprio tempo”. O tempo para o compositor tem um conceito muito subjetivo, particular, molda-se ao seu próprio tempo. Para ele, o tempo não foi perdido.

Em If tomorrow never comes, a mensagem é de uma beleza abstrata. Se o dia de amanhã não chegar, o compositor se questiona, se o tempo esvair-se, esgotar-se, o amor terá sido o bastante? E se esse amor não tiver sido proclamado, ele resistirá apesar da ausência? Então, Renato Russo pede, aconselha para que você diga a quem você ama que o ama porque o amanhã pode nunca chegar. “So I made a promise to myself/ to say each day how much he means to me/ and avoid the circumstance/ where there’s no second chance to tell him/ how I fell/ so tell that someone that you love/ just what you’re thinking of”.

O assunto, como percebemos, é recorrente. Os discursos acabam por se interligar, é verdade, o tempo parece tudo consumir. Na mitologia grega Chronos, o deus do tempo, devora os próprios filhos com medo que eles tomem o seu poder. O tempo, de fato, tem esse caráter destrutivo. No entanto, na quietude da vida, me pergunto se o tempo faz passar a dor de uma mãe ao perder um filho; se ameniza as separações; se cura as ausências; se faz esquecer a dureza das palavras. Pensar sobre o tempo requer certa dose de coragem, desapego, mas eu o faço porque fui impelida pela vencedora do Pulitzer de 2011.

Às vezes, o tempo consola, apazígua, mas não posso concordar que ele faça esquecer, mesmo porque, muitas vezes, parece que vivemos em círculos e acabamos por voltar ao ponto de partida. Um aspecto que podemos considerar favorável sobre a passagem do tempo é que ele nos obriga a amadurecer, deixar de lado as babaquices da juventude. Para algumas pessoas o tempo faz evoluir, pena que isto não seja uma regra e que tolos continuem toda uma vida iguais.

Esperemos, pois, que o tempo possa mostrar as pessoas sobre a necessidade de mudança na mente e corações humanos. Há que se compreender a necessidade de superação da ignorância e egoísmo. E, principalmente, há que se buscar compartilhar a sabedoria, o amor e a paz.

Se o tempo é cruel? Não, não é. Mas é árduo, embora oportunidade de melhoramento.

RosalvaMaria
Enviado por RosalvaMaria em 16/01/2013
Reeditado em 16/01/2013
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