UM ÚLTIMO OLHAR

O sorriso do sol magnífico nos aguardava, de braços francos e abertos, à saída do nosso apartamento em Paris, anunciando que hoje, dia 16/01/2013, quarta-feira, ele se apresentava e nos saudava com esse sorrisão cálido para nos proporcionar afagos de saudade, abraços de até logo, despedida de quem sabe que, se Deus quiser, haverá retorno em outras oportunidades, talvez em breve, nunca se sabe, a vida nos abre tantas portas e janelas ao longo de sua jornada. Lá do céu, derramando-se sobre nós depois de cumprimentar as nuvens e passar sobre os telhados parisienses, nos envolve com o calor de seu brilho, cheio de vigor, os raios mornos acariciando nossos rostos, embora diante da temperatura congelante de menos cinco graus centígrados ele não consiga nos aquecer devidamente.

Há tantos mendigos nessa rua do Comércio onde nos alojamos, penso que é em razão das diversas lojas espalhadas de um lado e de outro dessa estreita artéria onde, ainda assim, o trânsito flui sem parar. Em frente ao edifício que nos abriga estão as lojas Zara, H e M, Promod, um restaurante asiático, entre outros tantos. O Mac Donald fica na esquina, a pouco mais de quinze metros. Já ao lado esquerdo temos a Sarovski, MAC, especialista em maquiagem, uma boulangerie e mais uma porção de lojas até chegar à esquina, onde se localiza o Supermercado Monoprix, em frente ao Mac Donald. Do lado direito, mais um grande número de butiques, e de ambos os lados, a perder de vista, o comércio impera, inclusive a não mais de cinquenta metros está a Sephora, de cosméticos e perfumes. Temos, também nessa rua, a poucos metros, a famosa boulangerie Erick Kayser, uma das dez melhores de Paris, onde frequentemente compramos baguetes deliciosas, de sabor especial e inigualável.

O frio em demasia dominava a timidez do sol, tão insignificante lá em cima ante a robustez da temperatura negativa cá embaixo sobre nós. Quem estava às ruas agasalhara-se o mais possível, cobrindo-se da cabeça aos pés, e, como sempre, os parisienses fumavam desesperados, praticamente todos que no caminho encontramos. Sentíamos o impacto do vento gelado no corpo inteiro, mas o rosto e as mãos, estas embora com luvas, sensibilizavam-se por demais, aquele a quase arder na mágoa do sopro gélido vindo das esquinas ele, estas, enterradas nos bolsos dos casacos e sobretudos, doendo como se queimassem no gelo seco. Admirava-nos avistar senhoras de idade avançada caminhando apoiadas em cajados, as pernas cansadas descobertas sob os vestidos cobrindo pouco além dos joelhos, porque, valentes ou altruístas, enfrentavam tamanha temperatura negativa sem fugir da elegância, indiferentes ao tremor de frio que porventura ou decerto sentiam.

A princípio, não era nosso propósito sair andando e guardando Paris nas lembranças da alma nos instantes derradeiros de nossa demorada estadia por aqui, mas, impensados, apostamos na força solar para nos dar suporte, aposta que, evidentemente, perdemos, porém apesar de tudo ousamos lutar contra a ironia do inverno europeu, e lá íamos nós intimoratos. Pelo caminho, carros cobertos por finas camadas de neve, pequenas poças dágua congeladas nas sarjetas, pareciam frágeis espelhos deixados no chão, quebrados, irrelevantes. Desde segunda-feira tem nevado na Cidade-Luz, está certo que é uma neve magrinha, desnutrida, fraca, diferente da abundância de neve sobre a cidade sueca onde passamos um mês, contudo ainda assim é neve, é congelante, é gelo. Por isso esses pedaços de gelo se espalham nas calçadas, nos carros estacionados e no asfalto.

Esse se fazia um passeio de despedida do ar de Paris, daqui a poucos dias será hora de voltar ao Brasil. Sentamos num banquinho de madeira da pracinha em frente à igreja nas proximidades do Le Bon Marché, sob um frio de rachar lenha, e vimos dois inocentes patinhos que, respirando, soltavam fumacinha dos bicos à medida que criancinhas os perseguiam e eles, apavorados, esbaforidos, soltavam essa fumaça por onde corriam. Essa cena, inédita para nós, nos surpreendeu, pois antes, em lugar nenhum, víramos o hálito quente de patos provocar a fumacinha dos dias invernosos congelados. Os pombos que voavam por entre as pessoas na praça, não sei por que, não faziam o mesmo, não saia fumaçinha de seus bicos apequenados. Ainda tivemos tempo, eu e Ana, para beber um delicioso afogato na cafeteria do Emporio Armani, em frente aos famosos Café do Flore e Les Deus Magots.

Nos metrôs, multidões, gente correndo para não perder o trem e estes, entupidos feito latas de sardinha. Não dava para voltar a pé ao apartamento, mas resolvemos esperar que o aglomerado de gente fosse pera seus destinos à nossa frente nos primeiros momentos, de forma a diminuir o fluxo e nos permitir também embarcar. A noite promete nevar, a temperatura diminui ainda mais a cada instante, Paris está nos mostrando seu inverno rigoroso ao saber quão breve viajaremos para Lisboa e, de lá, para o Brasil. Os últimos olhares sobre essa capital já nos enchem de muita saudade, sentiremos falta desse algo mais só encontrado aqui, do seu romantismo, de sua vivacidade. Dá uma vontade tão irresistível de voltar! Resta ainda um último olhar, desfrutar Paris durante um mês inteiro não foi suficiente, queremos mais.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 16/01/2013
Reeditado em 16/01/2013
Código do texto: T4088345
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