O RIO SENA
Paris é a capital européia onde cada beleza, seja arquitetônica, cultural, artística, literária, histórica, física ou abstrata, tem seu vigor próprio e uma força de brilho único. O resplandecer de uma obra em qualquer área, por ser tão preciosa quanto as demais, também não ofusca a luz das inúmeras outras, antes pelo contrário, determina que as qualidades individuais são acentuadas pela expressão brilhante e ardente de seus pares. De maneira que, se uma, a exemplo da Torrei Eiffel, é símbolo inconteste da capital da França, todas na mesma proporção de importância se assemelham, como o Arco do Triunfo, a Bastilha, Montparnase, a Sacré Coeur, Notre Dame, Av. des Champs Elysées, Saint Germain de Prés, etc
O Rio Sena, cortando Paris delicadamente em sua longa extensão, coberto por cerca de dezenove pontes interligando bairros e ilhas, de águas límpidas, corrente permanente, navegável e belo, por sua vez, tem também esse mesmo encanto que transparece dos demais fascínios parisienses. Ele, é factível afirmar, é a veia jugular por onde circula o fluxo da vida, da alegria ímpar, dos sorrisos, dos mistérios, da vivacidade e do pulsar da existência de Paris. O Sena seria, numa comparação metafísica, o leite puro em abundância brotando dos seios fartos e aconchegantes dessa cidade a correr por seu ventre em todos esses séculos e séculos, sempre ali à disposição para uso dos moradores, franco, aberto, entregue às mãos de quantos o queiram tocar e desfrutar.
No leito do Rio Sena navegam vários barcos turísticos, dia e noite, dos mais simples aos mais sofisticados, alguns destes oferecendo aos clientes almoços e/ou jantares da mais requintada gastronomia. Nesses passeios sobre suas águas suavemente balouçantes, uns durando mais, outros menos, dependendo sempre do preço cobrado, os usuários se sentem nas nuvens à medida que avistam os mais reluzentes monumentos às suas margens. E como sói acontecer inevitavelmente, é incontável o espocar de flashes ao longo da ida e vinda do passeio, ao tempo em que os sorrisos vão surgindo em rostos oriundos de vários países, o linguajar idiomática se mostra complicado, casais enamorados se abraçam e trocam beijos, muita gente chora de emoção. Estar num barco sobre o Rio Sena tem esse efeito emotivo nas pessoas, não resta dúvida.
Paris se confunde com o Rio Sena, e não seria muito sem ele. De sua profundidade parece surgir, aos olhos dos românticos e sonhadores, uma aura inexplicável e comovente, quiçá algum brilho mágico capaz de prender os indivíduos em suas pontes somente para admirá-lo em devaneio, fotografar o vai-e-vem das águas ou os barcos saindo e chegando cheios de ansiosos visitantes felizes, gravar em imagens as muitas pontes que lhe parecem braços e pernas, ou corpos embelezados por figuras iconizadas nas expressões nunca iguais umas às outras. Essas pontes, ora nobres e luxuosas, ora simples e emadeiradas, escondem, em silêncio cúmplice, histórias e estórias, tristezas e euforias que por elas passaram andando ou correndo, os pensamentos a uma velocidade aterradora.
Entre todas essas pontes pisadas por pés de muitas origens estrangeiras e parisienses, uma se destaca sobremaneira por ser a preferida dos apaixonados e dos amantes de todas as idades, a Ponte das Artes, no 6° distrito de Paris. Nas grades laterais dessa ponte os casais de namorados, para simbolizar a eternidade de seu amor fechado a dois, deixam cadeados trancados onde escrevem seus nomes e as datas daquele momento inesquecível. Ali, uns sobre os outros, aos muitos milhares, esses cadeados se amontoam exibindo uma visão estranha e, ao mesmo tempo, encantadora de sentimento, lembranças e sonhos, talvez muitos deles desfeitos nalgum tempo da história de cada casal.
Dessa forma, o Rio Sena está para Paris como a Torre Eiffel e o Arco do Triunfo também estão para Paris. Nele, a transparência de uma cidade em que sonhar é obrigatório e necessário, onde as emoções se multiplicam nas praças, nas esquinas, nas cafeterias, na riqueza de seus padrões de moda e de vida, nos museus mais lindos do mundo, no céu azul ou nublado que a cobre, no jeito sui-gêneris de um povo que se veste como quer e ainda assim dita a moda no planeta. Por onde quer que se ande ali estarão as margens guache e droit do Sena, e é nelas que alguns namoram, bebem vinho, tocam, dançam e cantam, ao sabor do frio congelante do inverno, sob a brisa maravilhosa da primavera, ao sol tão esperado do verão ou durante os dias das folhas caindo das árvores outonais.