BEATLES, ROCK E PASSEATAS NOS ANOS 60

Os Beatles faziam sucesso estrondoso em todo mundo, os Rolling Stones inebriavam os nossos ouvidos com “Satisfaction”, Os Mutantes nos inquietavam, a guerra do Vietnã martirizava. A juventude se dividia entre a filosofia hippie, o engajamento político, a luta contra as ditaduras na América Latina e a busca por sociedades alternativas. A música evoluía, modificava conceitos e uma geração talentosa surgia com guitarras vibrantes, criatividade e improvisações. Eram os revolucionários anos de 1967 e 68. No Brasil, tristes lembranças da ditadura militar, do ato institucional nº 5 e perseguições políticas.

Naquele cenário mundial de inquietações, a música de protesto, o rock e suas derivações exerciam grande influência no comportamento da juventude. Como parte daquele contexto, um grupo de estudantes antenados com o movimento musical resolveu criar uma banda, que marcou época na EAUFBA, chegando a tocar em grandes cidades da Bahia e até fora do Estado. A base eram os Beatles: guitarra rítmica, guitarra solo, baixo e bateria, instrumentos que foram adquiridos em prestações na Mesbla, em Salvador, com apoio do Diretório Acadêmico Landulfo Alves – DALA – e a expectativa de toda classe estudantil.

Assim surgia a banda “Grãos de Pólen” que foi, à princípio, formada por Luiz Simões (guitarra base), Roberto “Espiroqueta” (guitarra solo), Durval “Bostinha” Barros (bateria), Moacir “Porrão” Omena (trompete), Jessé Bernardes (escaleta) e Winston Green (vocal). A sonoridade do grupo era perfeita e contava com um detalhe relevante: Winston era natural da Guyana Inglesa e possuidor de um inglês fluente e perfeito. Numa época em que reverenciávamos Elvis e “Lucy in the sky with diamonds”, isto era mais que um diferencial das outras bandas! Tinha um toque de intelectualidade.

Os anos se sucediam, os alunos se graduavam, tomavam seus destinos e a banda acolhia substitutos à altura dos precursores. Luciano “Barabadá” Ramos assumiu a guitarra, Carlos Gaborggini o baixo e João “Platão” Ávila a bateria, quando a banda passou a se chamar “Som A 5”.

Abro parêntesis para pedir desculpas a Luiz Simões, porque sempre fui reticente com o nome “Grãos de Pólen”. Claro, tinha tudo a ver com agronomia e botânica, lembrava o hino “Prá não dizer que não falei de flores”, composto por Geraldo Vandré e cantado a plenos pulmões nas passeatas estudantis. Mas, apesar disto, em plena ditadura militar, ameaçados frequentemente de tomar bordoada nas passeatas, assistindo colegas serem presos ou banidos da convivência estudantil, “Grãos de Pólen” sempre me pareceu delicado e poético para aquele momento de tanta tensão. Provavelmente por influência das bandas “R Som 5”, de Jequié e da “Mach Five”, de Valença, frequentemente contratadas para nossas festas, a “Grãos de Pólen” passou a se chamar “Som A5”, numa referência a Agronomia e ao número básico de instrumentos.

Seja como “Grãos de Pólen” ou “Som A5” a banda dos estudantes da EAUFBA tocou em muitos lugares e fez sucesso. Fosse hoje teria CDs gravados, estaria fazendo shows, festas de camisa e teria hits tocando nas rádios.

O caminho para a perfeição que atingiu foi longo. Havia os títulos para pagar na Mesbla, as apresentações exigiam ensaios, consumiam horas de lazer, pontualidade e profissionalismo daqueles meninos com pouco mais de 20 anos de idade. Mas foi um momento extremamente prazeroso, enriquecedor e a aventura musical com os “Grãos de Pólen” e o “Som A5” está firmemente gravada nas nossas lembranças mais cálidas.

A banda tocou em muitos lugares: Cruz das Almas, Feira de Santana, Vitória da Conquista, Senhor do Bonfim, Valença, Conceição do Almeida, Muritiba, Cachoeira, Lagarto, em Sergipe... Eu fazia parte do Diretório Acadêmico e lembro de algumas viagens com a banda para Santo Antonio de Jesus, Castro Alves e Conde. Nesta última, por conta de provas na segunda feira, obrigamos o motorista da kombi alugada que nos conduzia a retornar na madrugada, logo após a festa. Pouco ambientado com as estradas do Litoral Norte, o motorista passou direto no entroncamento de acesso ao Conde, cruzou a BR 101, despencou no barranco e estacionou no mato. Não houve feridos, mas se não fosse a complacência do professor de Sociologia, João Saturnino, adiando as provas, irremediavelmente ferido estaria o nosso histórico escolar.

Reflito sobre a música mais emblemática da banda. Para mim “Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones”, versão de “C’era um ragazzo che come me amava I Beatles e i Rolling Stones”. Censurada mundo afora, tinha tudo a ver com o inquietante final dos anos 60.

Ygor Coelho
Enviado por Ygor Coelho em 15/01/2013
Reeditado em 20/01/2013
Código do texto: T4086652
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