À madrugada

Quantos pensamentos carrega o vento da madrugada? Quantas mentes insones perdem seu descanso noturno para as divagações e reflexões sobre o cotidiano? São contas a pagar, trabalhos deixados pela metade, brigas conjugais, filhos doentes e uma imensidão de amenidades que aos poucos corroem a essência e o brilho da existência humana.

Os pássaros já produzem seus primeiros sons prematuramente matinais, afinal, ainda é noite. Uma folha cai pesada, se rendendo a força desse mesmo vento noturno. Despencando da altura de um metro até o chão de pedras compactadas, de um jarro no pergolado central da casa que dorme, a folha produz um som oco e grave. Há essa hora todos os sons passam a ser mais perceptíveis, desde a mosca que ronda irritantemente o ombro da escritora que tenta tabular suas ideias, até os barulhos que indicam o bom funcionamento do computador que armazena esses dados.

A vida na madrugada parede ter mais encanto. É nesse momento em que as pessoas mais empenhadas em seus trabalhos estão queimando suas pestanas à procura da melhor finalização do que não foi possível de ser concluindo no corre-corre do dia acordado.

Longe dos estrondos diários, das chateações da vida convencional, a arte quer se manifestar transitando dos feixes elétricos que movem os neurônios do artista, levando comandos que escorrem até as pontas dos seus dedos a transcrever das mais profundas e inusitadas recordações, até algo que se produz de pouco a pouco, tomando forma e expressão.

Há algo de diferente na taciturnidade da noite que se encerra. Um apito agudo descendo a rua, indicando que ali há alguém a vigiar e prover a tranquilidade, acompanhado do latido grosso do cão que também cumpre seu papel de vigilante noturno. A alguns metros dali, o Sol já desponta na linha do horizonte, refletido nas águas do oceano enigmático que carrega tantas informações quanto a própria vida de quem dele tira o seu sustento.

Os sons da manhã já começam a surgir: passa um ônibus vagaroso na avenida principal, um liquidificador processa a vitamina que dá a energia que o dia exige. Um molho de chaves chacoalha na vizinhança, um portão se abre. E o alarde matinal quebra o silêncio motriz da produtividade noturna.

Stephany Eloy
Enviado por Stephany Eloy em 15/01/2013
Reeditado em 15/01/2013
Código do texto: T4085612
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