Cada onda que passa
CADA ONDA QUE PASSA
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 09.01.13)
Suzana Singer é jornalista da Folha de São Paulo, onde, no momento, ocupa o cargo de "ombudsman". Claro que os puristas e as puristas do gênero não aceitam machismo tão explícito e exigirão sempre que ela seja tratada pelo que é, ou seja, como "woman". O jornal esclarece que a "ombudsman" está ali para "criticar o jornal, ouvir os leitores e comentar, aos domingos, o noticiário da mídia". Matéria farta ela tem para exercer suas obrigações profissionais. Mas não é isso o que agora importa.
No primeiro domingo do ano Suzana comentava notícias escritas às pressas e editadas sem cuidado, o que acaba levando barbaridades aos leitores do jornal, como o caso de um palestino que, morto por soldados israelenses, lança seu carro contra um jipe militar, provoca seu capotamento e sai de machado em punho ferindo os seus executores que estavam no veículo abalroado. Mas também não é isso o que importa.
Interessam mais, talvez, as duas frases com que a "ombudswoman" (?) encerra sua coluna: "Com o surgimento do noticiário on-line, espera-se que o impresso sirva de esteio da qualidade jornalística. Se é para ler 'qualquer coisa' rapidamente, fiquemos na internet, onde há fartura e gratuidade."
Parece que este, precisamente, é o ponto: lemos as coisas rapidamente e já nos pomos, sábios instantaneamente doutorados no assunto, a deitar opiniões e julgamentos sobre tudo. Isto, fique bem claro, quando chegamos a ler alguma coisa, pois talvez seja muito mais comum ouvirmos e vermos o assunto na televisão, de passagem, durante uma conversa com alguém (ao telefone celular inteligente, obviamente, enquanto também ficamos dali despachando mensagens, comentários, juízos, conselhos e curtições). Vista e ouvida a notícia, torna-se necessário apenas captar o comentário que o locutor lerá sobre o assunto, dando talvez algum argumento por frágil que seja, para sintonizarmos com ela os nossos preconceitos e termos profunda opinião firmada sobre a matéria. E podemos, assim, partir para outra: para entreouvir outra notícia, para disparar outra mensagem eletrônica, para alimentar a próxima intolerância, certos de estarmos participando do mundo e influindo no seu destino.
Seguir, seguir sempre a onda que passa é o segredo. Não nos vamos abalar em conhecer a opinião contrária, em procurar o argumento do inimigo, em saber a justificativa do adversário, em buscar o detalhe do acontecido: temos nosso mundinho preconcebido e confortável e só precisamos que o mundo de fora viva confirmando as nossas medíocres verdades. Assim, por exemplo, se lermos de corrida na internet, ou ouvirmos de passagem na televisão, que "'smartphones' gigantes devem dominar mercado em 2013, diz analista", já providenciaremos nossa encomenda de algo que nos pareça ser isso que se anuncia como o "must", o "hit", a moda para o ano que se inicia, pois queremos estar na vanguarda das novidades que, dizem, surgirão em breve: ao ouvir a previsão, por mimetismo fazemos com que ela se cumpra.
Como as praias do verão catarinense: lendo (ou vendo) certos noticiários, chega a dar a impressão de que todo mundo por aqui nada em dinheiro e tem tempo para gastar todos os dias no mar, todas as noites no bar, todas as madrugadas na balada procurando jogadores de futebol e atrizes de televisão com quem tirar fotos.
Como diz Suzana, a "ombuds", se é para ser superficial, basta a internet. A qualidade de informação vem do jornal e a profundidade, do livro. Fora isto, é ver para que lado a onda corre.
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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados.
"Não podemos fazer o que for necessário. Temos que fazer o que for certo."
Gary Bostwick, advogado, citado por Janet Malcolm em "O Jornalista e o Assassino".