HELENA
Coloquei os meus pés na areia e contemplei o horizonte arisco. Meu peito encheu-se do ar fresco e a brisa que agitava as águas trazia o mar pouco mais próximo aos castelos de areia. Eram sonhos de criança que se desfaziam. Eram meus sonhos que o vento levava com a água sorrateira. E o meu corpo suava molhado, e meus olhos sorriam calados. Um sorriso que me levava próximo às águas tão salgadas quais as lágrimas que teimavam despertar dentro de mim. “Por que despertariam agora? Por que falariam comigo se eu não as queria ouvir?” Preferi auscultar o tempo vespertino que me restava até o pôr-do-sol em seu ocaso, deixando o céu ebúrneo, numa vermelhidão que somente o crepúsculo poderia explicar. E eu fugia tal qual aquele sol, como aquele dia, como aquele horizonte que se orgulhava em nunca chegar, orgulhava-se em se manter sempre à mesma distância dos meus olhos silentes. Não queria pensar, pois despertava em mim aquele amor, não queria amar aquele nome, aquela boca, aqueles olhos... Helena! Enquanto estava entretido, uma pequena garota de aproximadamente dezesseis anos se aproximava transportada numa cadeira de rodas. Sorria exaustivamente, molhando-se dos pés até a canela e levando as mãos para cima, num aceno feliz. Apontava pardais que se instalaram nuns coqueiros próximos a algumas dunas ali perto. Ou seriam andorinhas? Ou águias, abutres, urubus? What a hell! Seriam quaisquer dessas aves medonhas. Mas eu não sabia nem sequer distinguir um corvo duma melancia. Bem, uma melancia seria sempre uma melancia – supõe-se -, mas um corvo seria uma ave qualquer para mim... Sorri imaginando quão divertido seria se as melancias nascessem em pés de coco. Que estrago fariam na cabeça de que quem ali estivesse quando se encontrassem maduras e resolvessem cair. Sorri.
Enchi de ar meu peito novamente pensando na pequena garota. Deixaria ela seu maior amor para poder pisar na areia da praia, correr atrás de uma bola de meia ou jogar voleibol com os amigos? Estou certo que sim. Certamente não estava tão preocupada com o amor como eu. Seria esse amor físico maior que a alegria que cada pequeno gesto como pisar sobre a areia e cantarolar uma canção ao vento podia lhe proporcionar? Pisei então firme sobre a areia tentando sentir quão feliz ela se sentiria. Mas os meus pés estavam em ótimo estado. O que sangrava era o meu peito. E eu que jurara jamais pensar em Helena novamente, prostava-me a este nome. Helena-qualquer-coisa-mais, Helena de Tróia, tantas helenas fazendo tantos homens felizes. Porém esta não estava ali comigo, compartilhando aquele pôr-do-sol tão lindo...
Aproximei-me da garota e indaguei seu nome num sorriso cordial, ao que me respondeu “Helena”.
Meus olhos se encheram de ternura, lágrimas evocaram meu cerne e meu coração pulsou mais depressa. Aquela pureza recolhida, aquela tristeza singela já tão vivida...
Voltei-me procurando pelas minhas pegadas. O ônibus partia dali a instantes e precisava preparar a crônica para a edição do dia seguinte. Destino: Rio de Janeiro. Talvez pudesse escrever sobre a brisa, talvez sobre a vida... Eu ainda tinha os pardais e os coqueiros cheios de melancia. Mas eu tinha algo muito mais puro, mais meigo e sobre o qual com certeza teria bastante assunto. Eu tinha Helena. Eu tinha apenas Helena. Só Helena. Helena-qualquer-coisa-mais, Helena de Tróia. Sussurrei baixinho ao vento... “Helena” e parti sem olhar mais para trás.