FLANELINHAS UNIVERSITÁRIOS

Sábado com sol de verão, depois de uma semana atarefada arrumo o carro cedo na expectativa de chegar à ilha de Itaparica em tempo de tomar um banho de mar antes das 10 horas. O calor e o sol não recomendam praia e exposições a partir deste horário. Sei que o trânsito poderá estar lento e me apresso para vencer os 120 km sem demora. Mas bem antes de sair da cidade, apenas quatro quadras adiante de minha casa, algo interrompe o meu caminho. Vejo jovens, aguardo um, dois, três, quatro carros serem liberados e entendo a razão da parada. Um grupo de estudantes universitários se instalaram numa esquina a pedir dinheiro aos motoristas para uma viagem, a fim de participarem de um congresso.

Ouço a ladainha, mas não contribuo. Admiro a juventude, fui estudante e orgulho-me do meu espírito jovem. Mas sou do tempo que buscávamos recursos para nossas excursões e formatura de forma mais edificante, promovendo, dentre outros eventos, festas, sessões especiais de cinema e palestras. As palestras eram concorridas e cobrávamos um ingresso simbólico para a platéia. Lembro-me, particularmente, do convite e da vinda do hoje imortal membro da Academia Brasileira de Letras João Ubaldo Ribeiro, na época jornalista da Tribuna da Bahia, então lançando o seu primeiro romance, “Setembro não faz sentido”.

As festas eram várias durante o ano, em geral no Cruz das Almas Clube, no refeitório da EAUFBA ou ao ar livre, no campus da Universidade. Vivas na lembrança dos nossos contemporâneos estão as festas do Milho, da Laranja, da Primavera, de Calouros e a memorável Noite Tropical, a mais elaborada delas, organizada em frente ao prédio da Zootecnia. Não faltava coragem para contratar bandas, algumas até hoje na estrada: Lordão, Los Guaranis, Oliveira, Mach Five, Raulzito e os Panteras... Sim, o próprio Raul Seixas, em carne e osso.

Para os eventos menores e saraus, tínhamos nossa própria banda, a Grãos de Pólen, formada por estudantes de Agronomia. Tempos depois, com a "crítica" achando o nome Grãos de Pólen "afrescalhado", a banda passou a se chamar Som A 5 (explicando, A de Agronomia e 5 do número de integrantes). A sociedade local se deslumbrava com nossas festas. E nós assegurávamos renda para visitar exposições agropecuárias, realizar excursão técnica ao sul do país e cobrir gastos com a formatura.

Produzir festas já não é tão fácil, mas existem alternativas mais interessantes para conseguir recursos do que "mendigar" na sinaleira, imitando os “flanelinhas” que nos assediam nos faróis do Iguatemi. Feira de livros, saraus, sessões de filmes cult, palestras de "experts" são algumas das possibilidades.

Como os universitários são de ciências agrárias eu lembro algo que até poderia ser feito nas sinaleiras, com uma repercussão positiva e benefício inquestionável: Venda de mudas de árvores nobres para reflorestamento ou arborização. Quem não colaboraria nestes tempos de alto calor, seca e falta de água, adquirindo uma muda nobre de ipê amarelo ou pau brasil? É bem mais simpático do que bancar "flanelinha", atrapalhar o trânsito para pedir trocados! Coisa feia! E sem a imaginação que se espera de universitários!

Ygor Coelho
Enviado por Ygor Coelho em 14/01/2013
Reeditado em 14/01/2013
Código do texto: T4084650
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