O OLHAR DO COVEIRO
Numa tarde infeliz, fui ao enterro de um amigo. Cenas tristes e comoventes, familiares, amigos, e alguns coveiros estavam ao redor... durante a cerimonia de despedida, visualizei o comportamento de um coveiro. Fiquei olhando o seu olhar compenetrado para o meu amigo, e suas pálpebras se mexiam lentamente. No meu solilóquio, fiz uma pergunta: O que é a vida para esse coveiro? Claro, não tive respostas do mesmo, até porque não ousei a fazer a tal pergunta naquele momento. Até hoje a pergunta me intriga, fico pensando naquele homem, mesmo no seu movimento tranquilo, não sei se estava sendo indiferente ou comovido. Na verdade, ele tinha um trabalho à fazer, enterrar, sepultar. Mas, o seu olhar é a grande questão, levanto alguns rabiscos na tentativa de chegar nos seus reais pensamentos. Portanto, posso imaginar suas inquietações como, a vida é também injusta, as tragédias levam cedo pessoas queridas, penso na ideia que o coveiro gostaria de conhecer o falecido(a) por conta das lindas homenagens feitas por parentes e amigos. Se for indiferente, imagino os dizeres internos: "Todo mundo morre mesmo!", "Ele vai estar no lugar melhor!" Dentre os vivos, o coveiro lida melhor com a morte diariamente, ele sabe silenciar, aprendeu com os donos do subsolo. É muito enigmático o olhar do homem que vai nos ajudar à descer em nossas covas, é compreensível que tenham mais lucidez sobre a brevidade da vida. Acredito que tais coveiros pensam na vida na hora de um enterro, é um ambiente de reflexões profundas que se encontram nos subsolos da alma.