MANIFESTAÇÃO DOS FRANCESES CONTRA CASAMENTO GAY
O evento, promovido pelos católicos franceses, vinha sendo divulgado todos os dias e várias vezes durante a programação das TVs locais, sempre com grande alarde, muita discussão, entrevistas e ansiedade transparecendo nos rostos das pessoas. Pelas ruas, membros das entidades à frente do movimento distribuíam folhetos semanas antes a fim de levar o maior número de gente a levar sua voz contra projeto de Lei do Legislativo Frances em favor do casamento gay. Em virtude disso, o assunto era o mais badalado entre os parisienses, que aguardavam chegar a data da passeata para reunir o maior número de manifestantes nas ruas de Paris.
Por essa razão, tendo em vista o desdobramento dos voluntários católicos no sentido de reunir quanto mais gente melhor, hoje o domingo começou em Paris com as ruas sendo tomadas por multidões se deslocando apressadas para os principais locais de onde partirão as passeatas com destino ao Campo de Marte, aos pés da Torre Eiffel, onde assistirão a discursos inflamados contra o casamento gay e, depois, um grupo local tocará, apesar da chuva fina, para animar os grupos. Famílias inteiras oriundas de todos os bairros, das classes sociais as mais diversas, carregando bandeiras, bolas de encher com o desenho de um casal com duas crianças, simbolizando o ideal dos manifestantes, cartazes contendo frases incentivadoras e muito som reproduzindo músicas e levando as palavras de ordem expressando o objetivo da manifestação gigantesca.
Nós topamos com o grupo proveniente da estação de metrô Port Mailort quando saímos do apartamento, era muita gente, incontáveis, organizados, a maioria em silêncio até aquele momento, depois um carro de som se aproximou trazendo o barulho e a fala empolgada da organizadora do evento, uma francesa católica entusiasmada com a chama que acendia nos corações de tanta gente contra o direito civil dos gays. Cada cartaz transmite uma mensagem diferente, a frase mais impactante. Uma deles, em especial, com a foto de uma criança, chamou minha atenção: 'Sou feito por um homem e uma mulher!" Outra, também impressionante, afirmava: "1 pai + 1 mãe, isso é elementar!"
Havia sorrisos de desafio nos rostos de homens, mulheres e crianças enquanto andavam calmamente agitando as bandeirinhas, as bolas de encher e os cartazes, alguns dançavam espalhafatosos sob o domínio da alegria, agitados e felizes quando o carro de som tocava músicas. A polícia acompanhava tudo de perto em vários carros e devidamente armada para combater e evitar eventuais excessos tanto dos participantes da mega manifestação quanto de opositores que, por acaso, invadissem ou tentassem tumultuar o andor da carruagem. E a multidão que caminhava em lentidão anunciando o fervor de suas ideias, aumentava a olhos vistos, assemelhava-se a enorme cobra, tão grande em sua extensão que não se via nem o início nem seu fim.
Nosso destino, ao passo em que encontrávamos a multidão efervescente em nosso caminho, era chegar ao grande magasine Le Bon Marchê, mas até lá os manifestantes estariam no trajeto. Aproveitamos, então, para observá-los, ver suas reações, tirar fotos e curtir aquela novidade num domingo frio de Paris. Por isso, nessas observações atentas, vimos uma garota, sozinha e fora da passeata, o rosto demasiadamente sério e compenetrado, andando a poucos metros da turma inflamada. Ela segurava sobre o peito, com as duas mãos firmes, um cartaz onde escrevera em letras meio borradas: "IGUALDADE PARA TODOS!" Seu silêncio e firmeza de olhar eram tocantes, e nesse mutismo resoluto fez seu protesto solitário contra o preconceito, reagindo calada às milhares de vozes e corações que se levantavam para exigir a ilegalidade do casamento gay. Diante desse jeito calado de se opor, corajosa, à multidão, minha esposa foi às lágrimas. Em pouco ela desapareceu no burburinho sem tirar um só instante o seu cartaz do peito.
A manifestação anti casamento gay entrou pela noite, hora em que já voltávamos do nosso passeio, a chuva fina caía intermitente, a polícia continuava seu trabalho, o povo agora gritava palavras de ordem, agitava cartazes e bandeirinhas, dançava, corria em direção à Torre Eiffel, ria incontrolável, deixava perceptível o modo de pensar que lhe ia na alma. Nada interrompeu a manifestação, nem o frio cortante nem a chuvinha constante, demonstrando o ardor e a vontade de mostrar o quanto se revolta contra atos que vão de encontro ao seu pensamento. Atravessamos o tumulto organizado, fugimos dos pingos da chuva nos molhando apesar do guarda-chuva que usávamos, e lá atrás prosseguia com força total o ato popular dos parisienses contra mudanças que assustam suas almas.