A persuasão profissional versus o persuadido amador
Fala-se muito no poder do voto no regime democrático. E, de fato, em tese nada é mais importante do que o voto, dado que juridicamente ele estabelece a representatividade que liga o governado ao governante, ou seja, o governante é um representante do governado. E esta é uma solução necessária, pois numa democracia todos têm direito de serem governantes, mas existem menos cargos a serem ocupados do que cidadãos disponíveis. Neste sentido, a representatividade é a solução encontrada para os grandes estados nacionais modernos. E assim, entre votados e votantes se estabelece o denominado contrato social. Eis aí a legitimação jurídica entre cidadão e Estado, eis na prática o pacto que promove a distribuição de poderes entre os cidadãos nas condições de governados e governantes. A democracia efetiva tem sua origem na possibilidade de alternâncias de gestão. Os partidos são instrumentos posteriores de representação de grupos de cidadãos com anseios em comum, e neste sentido deveriam se diferenciar em ideias, ou seja, seriam um meio de os cidadãos se organizarem para se fazerem representados. Creio que o problema começa aí, na institucionalização do grupo de cidadãos. Ao se fazer grupo, o partido antes parece defender o interesse do próprio agrupamento do que daqueles que deveria representar. Por seu lado, a profissionalização da política faz com que a eleição, mais do que uma festa civil, se transforme numa espécie de batalha a ser ganha para se ter poder e assim conquistar benefícios. Parece haver uma inversão: não é o indivíduo com senso público, mas o grupo com senso privado que age. A esta conclusão se chega ao observar o estado de coisas atual, e isto não se trata de pensar neste ou naquele partido, mas no processo como um todo. Os partidos deveriam ser os grandes centros pensantes, mas pensantes em quê? Em gestão pública, afinal de contas qual é a utilidade de um partido político? Deveriam ser institutos voltados à crítica e ao planejamento econômico-social, mas prevalece o político-eleitoral. Perceba: a eleição não é fim, e sim meio. Meio para quê? Para se elegerem gestores públicos? Mas o enfoque dos partidos é antes o político, é antes o eleitoral, o objetivo maior é ganhar as eleições. Há alguns, inclusive, que desejam ganhá-las para acabar com a democracia, o que é um contra-senso. Entre o representante e o representado surge um novo papel: o representante como burocrata, como funcionário público, só que ao invés de concurso, chegou ao setor público via eleição. Neste sentido, atua como corpo de seus próprios interesses e não defendendo os interesses pelos quais elegeu seus candidatos. Eis porque a frustração entre ideal e prática. O ideal está certo, a prática, entretanto, distorce o que se deveria atingir. Ora, o que oferta um partido? Ele oferece ‘serviços de gestores públicos’, afinal é um político, seja para atuar no executivo, como no legislativo, onde deveria expressar a vontade e, portanto, a diretriz da gestão que atuará sobre a estrutura administrativa do Estado. É o cidadão a unidade que pode ser representante ou representado, e ter as funções de eleitor e candidato, que não são excludentes. Justamente por ser beneficiário o cidadão, cabe-lhe a função de contribuinte. Por que tudo isto? Para ter a contrapartida do Estado, seja ele de baixa, média e alta renda, os serviços que o Estado presta é que vão justamente criar o nível de qualidade do serviço oferecido para a sociedade, pois servirá de padrão em torno do qual se ajusta a iniciativa privada. Ou seja, o privado e o público atuam de forma complementar na oferta de serviços à população, e seria de se pensar que o serviço oferecido pelo Estado fosse o que atendesse adequadamente às necessidades do contribuinte, que neste caso é consumidor. Quem quisesse algo extra, que pagasse por esse adicional o serviço do Estado sendo ruim, ao setor privado cabe apenas fazer o necessário. O problema é que as máquinas partidárias são profissionais, assim se utilizam de métodos para oferecer os seus candidatos a ‘gestores públicos’. Fazem pesquisas, descobrem o que o cidadão-eleitor-contribuinte-consumidor deseja e constroem um discurso oferecendo justamente o desejado. Mas qual é a garantia de que isto será cumprido? Você já viu alguém prometer, dizendo: ‘olha vou fazer isto aqui, com orçamento sendo usado desta ou daquela maneira.’? Não, tudo se dá na base do discurso; qual a garantia que se tem que este será cumprido? Não se sabe, é uma promessa, mas a contrapartida será real, implicará o pagamento de impostos. Como culpar o eleitor? Afinal ele comprou uma promessa que não foi cumprida, e mais do que isto, feita de forma objetiva e profissional, dizendo ao eleitor aquilo que ele quer ouvir. Será que é possível o eleitor estar realmente de posse das informações necessárias para votar? Não creio; o que se tem é de um lado o político profissional e do outro o eleitor amador. Somente uma boa reforma política que leve ao efetivo equilíbrio desta relação dará ao voto o seu real sentido de representatividade. Enquanto isso, fica o rito democrático, valoriza-se o mito do processo superficial e deixa-se para não sei quando a questão do conteúdo. Ser político deveria ser ideal civil, o que não significaria miséria daquele que assim optasse, mas nem de longe deveria ser uma carreira que levasse ao enriquecimento e a um padrão de vida que bem poucos da sociedade conseguem ter. Hoje, infelizmente, a impressão que se tem é que ser político acaba sendo uma opção profissional, a prevalecer sobre o ideal de servir à cidadania.