Diário de um hipocondríaco
Durante muitos anos mantive um relacionamento diário com a Neusa. Santa companheira! Foi sempre um alívio para minhas aflições e aborrecimentos. Que Neusa? Ah, sim, esqueci-me de apresentar: Neusaldina. Mais recentemente fui apresentado a um simpático casal: a alemã Frau Hérnia e o britânico Mr. Parkinson. Casal perfeito. Enquanto uma me travava os movimentos, o outro me deixava como uma pilha de energia. Nada como os opostos. Esses dias, iniciei negociações com um notável cidadão de origem árabe, o senhor Al Zheimer. Meu círculo de boas amizades tem se ampliado ultimamente.
Meu cálculo renal mereceu um registro no Guiness Book. Isso foi há uns três anos, mas minha marca até hoje não foi ultrapassada. O bendito do cálculo é maior do que o próprio rim, muito embora o rim em questão já esteja comido pela metade.
Mas não tem nada, continuo seguindo em frente. Isso, claro, quando não tenho crise de labirintite, e costumo então andar em ziguezague.
Hemorroidas? Nem me falem! Esses dias – culpa do Sr. Al Zheimer – acabei escovando os dentes com a pomada Hemovirtus. Imaginem a opção inversa...
Andava uns tempos me sentindo mal, com sobrepeso, ocasionado pela tireoide; felizmente sobreveio o diabetes que em pouco tempo me afinou o corpo, deixando-me elegante qual um dançarino espanhol. Somente não saí dançando para comemorar o novo físico por causa da artrose no joelho e do esporão no calcanhar. Foi tamanha a alegria que pensei em dar um grito para o mundo, como o fazem os participantes de um “reality show”, em bom português: Brigaduuuu! Infelizmente, um acesso de bronquite me provocou espasmos de tosse tão violentos que quase vai junto a dentadura.
Atualmente, estou inaugurando o Museu dos Medicamentos. Conservo em meu poder remédios que não existem mais há décadas, alguns de valor inestimável para os colecionadores, como Antisardina, Urodonal, Phimatosan, Lugolina, Quinado Constantino, Pílulas de Vida do Dr. Ross. O mais badalado, e por isso sofro constante assédio de colecionadores, é o Rhum Creosotado, objeto de uma quadrinha publicitária inscrita nos assentos de ônibus no início do século 20.
Estou redigindo este diário aos poucos, conforme me permitem as condições físicas. Sempre tive vontade de escrever um livro contando minha sofrida passagem por este mundo. Se não fosse a tremedeira nas mãos, a dor nas costas, o glaucoma, e se as hemorroidas me permitissem sentar, faria... o que mesmo?...