Um Anjo na Minha Vida
Chovia muito naquela manhã de abril, quando saí da Faculdade. Eram quase onze e meia. Em frente à Reitoria da UFC, apanhei o ônibus que me levaria ao centro da cidade. Com dificuldade, consegui encontrar um banco desocupado, dado o grande número de pessoas que esperavam no ponto, ocasionando tumulto e cortes na fila. O ônibus fazia circular de Parangaba à Praia do Futuro, razão da constante superlotação, sendo motivo de transtornos a quem tinha horários a cumprir ou morava entre esses dois pólos.
Continuava chovendo. Pelas janelas, percebi a água beirando as calçadas, tornando quase impossível a locomoção dos pedestres. Pensei no que fazer quando chegasse ao meu ponto limite, pois tinha que tomar outro ônibus para casa. As ruas molhadas e escorregadias, as calçadas desiguais e com muito espaço ocupado por camelôs, constituíam uma ameaça a quem andava com pressa, a fim de chegar com tempo ao lugar destinado.
O ônibus ia devagar. Nas paradas, cada vez mais se amontoavam pessoas querendo entrar, umas antes das outras. Egoísmo? Não. É melhor pensar em responsabilidade, assiduidade e principalmente pontualidade, no caso de trabalho, por exemplo. Também eu, precisava chegar cedo em casa. Faltavam quinze para o meio dia. Estava há quinze minutos naquele ônibus, desde que saíra da Faculdade. À uma hora da tarde, tinha que estar na Escola do SESI da Barra do Ceará, para dar aulas e, para isso, ainda teria que enfrentar outras três lotações. Não havia, a esse tempo, os terminais que ajudam a economizar um dinheirinho. Os vales que tinha na bolsa estavam escassos. Deus do céu!
E aquela chuva que não cessava! Devia chover somente no interior, onde há plantações e agricultores que vibram com a chegada do inverno! Pensei. Lá não havia ônibus, nem eles tinham pressa. Era assim, na minha terra natal. Aos sábados à tarde, em frente à gruta de Nossa Senhora de Lourdes, as pessoas oravam, cantavam o Ofício de Nossa Senhora, pedindo para chover, a fim de segurar o plantio e ter um bom resultado na colheita. Fiz muito isso, quando era criança. Mas, naquele dia, estava ali, em um banco de ônibus, apertada, um pouco enjoada pela mistura de perfumes dos passageiros e o desconforto de uma gravidez de sete meses que me dava forças para suportar qualquer coisa. Era o meu quarto filho, uma razão a mais de alegria e esperança para que enfrentasse, com coragem, a rotina diária. A vida estava difícil. A televisão transmitia todos os acontecimentos nesse sentido. Sentia na pele quando ia ao supermercado e os preços estavam alterados. Era necessário estudo e capacitação para que melhorasse o meu nível e, consequentemente, o salário, a fim de ajudar no orçamento familiar.
Enfim, cheguei à Praça José de Alencar. Dali tinha que ir a pé até à Praça da Estação, pegar outro ônibus para casa que ficava na Aldeota. Olhava o relógio a cada minuto. Em casa, teria que dar o almoço e preparar os outros filhos para levá-los comigo ao colégio. Aquela preocupação me causava angústia. E a chuva não passava! Isso era o pior, dado o meu estado de gravidez e a situação caótica do trânsito desgovernado, motivado pelo estresse das pessoas naquele horário de pique. Precisava agir... Decidi enfrentar.
Ao atingir o cruzamento das ruas Guilherme Rocha com General Sampaio, ainda chovendo, escorreguei no asfalto molhado e caí de bruços com a barriga no chão. No momento, minha primeira reação foi de vergonha, como acontece a todos os que se acham nessa situação, mas depois, lembrei-me da criança que carregava em meu ventre, e entrei em pânico. O que teria acontecido com o meu bebê? Tentei me levantar, mas não consegui. Minha barriga pesava e doía muito do lado direito. Olhei para todos os lados a espera de alguém que me ajudasse. Havia muita gente sob as marquizes dos prédios comerciais, abrigando-se da chuva e esperando suas conduções. Ninguém podia vir a mim, em forma de solidariedade. O sinal de trânsito, que existia naquele lugar, estava aberto para a passagem dos veículos que buzinavam desesperados. Mas permaneci deitada no meio da pista, pedindo a Deus um pouco de Sua força a fim de que pudesse me levantar. De repente, então, uma senhora bem velhinha e frágil estava em minha frente e me estendeu a mão. Sem nenhum gesto de força, levantou-me, apanhou meus livros e minha bolsa que estavam espalhados e levou-me a um barzinho perto da Galeria Pedro Jorge, onde atualmente é um Shopping. Pediu um copo d’água com açúcar e me deu para beber. Em seguida, falou:
_ Agora vá pegar o seu ônibus. Nossa Senhora vai com você.
Uma sensação estranha perpassou-me o corpo, deixando meu espírito, há pouco tão ansioso, numa atmosfera de paz e tranquilidade. Olhei em seus olhos, querendo desvendar o mistério que envolvia aquele momento. Tive como resposta, um olhar muito doce e um sorriso indefinível. Agradeci muito à boa velhinha, dizendo:
_ Jamais esquecerei o que fez por mim. Vou contar ao meu filho, quando crescer, essa história que teve como heroína, uma senhora simpática, caridosa, com um coração cheio de bondade e a força de um gigante, que levantou duas pessoas como num passo de mágica, enquanto uma aglomeração de pessoas assistia de camarote.
Chovia menos... Meus joelhos feridos doíam muito. Os respingos caíam em meu rosto como bênçãos celestes.
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Maria de Jesus Fortaleza, 10/01/2013