A VARRIÇÃO

Dona Marlene, uma dessas raras pessoas que se caracterizam pelo comportamento exemplar, e extremo respeito aos direitos e deveres humanos, comprou oportunamente uma casa que se encontrava desabitada há três anos, tendo por este motivo acumulado no enorme terreiro, uma expressiva camada de pó.

Aproveitando-se de uma hora de folga, dispôs-se a fazer a limpeza dele. Muito determinada, mas preocupada com o tempo, iniciou o serviço com largas vassouradas.

Começou então a soprar um vento que levantava ainda mais a finíssima poeira.

Foi o suficiente para que sua consciência a alertasse para o fato de que o pó, poderia estar penetrando nos apartamentos do prédio vizinho.

Veio uma lufada mais forte e um dos moradores do referido prédio fechou a janela, simplesmente pelo incômodo das cortinas esvoaçantes.

Começaram as caraminholas na cabeça de D. Marlene: Teriam fechado a janela por causa do pó?

Muito preocupada, ela continuou.

Outro morador foi acometido por uma crise de tosse, mal causado por uma forte gripe, muito comum naquela época do ano.

A senhora se desconsertou. Agora estavam tossindo. Seria para ela insuportável o vexame de ser-lhe chamada a atenção.

Com o coração disparado, os ouvidos atentos e a dúvida cruel, diminuiu a potência das vassouradas, tentando espalhar a menor quantidade possível de poeira.

O terreiro parecia maior, o relógio corria e o vento implacável continuava.

O enfermo teve outra crise de tosse.

Era o fim, tanta coincidência não seria possível.

Cedeu então aos seus princípios e desistiu da tarefa indo rapidamente recolher com uma pá os montinhos restantes.

Aflita por se livrar daquela situação, detectou resmungos abafados vindos de outra janela. Eram de uma faxineira que reclamava para si mesma das horas gastas para limpar um felpudo carpete, lotado de pêlos de uma gata, cria da casa.

Neste momento, o amaldiçoado animal entrou correndo pelo recinto, derrubando um balde de água suja em cima do tal carpete. A faxineira perdeu o juízo e gritou:

“Sua desgraçada, sujou tudo o que eu limpei. Vou acabar com a sua raça!”

D. Marlene, estatelada, olhou para a janela onde se projetava o cabo do rodo com o qual a raivosa trabalhadora tentava assassinar a gata. Com sua lucidez abalada pelo medo, concluiu ser aquilo o cano de uma arma prestes a concretizar a ameaça proferida segundos antes e saiu correndo implorando por misericórdia.

Nunca mais a pobre senhora colocou os pés em sua própria casa, tratou de vendê-la considerando ser esta a melhor coisa a fazer por sua saúde.