DONA CHIQUINHA DA TAPIOCA
Óia a tapioca! Ô lapa de tapioca! É mais branquinha do que as fia do coroné!
Esse era o grito da dona Chiquinha da Tapioca, invariavelmente, sempre às cinco horas da manhã. Pouca gente lá no sertão do Quixadá ainda se lembra dela e de suas saborosas e cheirosas tapiocas de coco.
- É de hoje, dona Chiquinha? – perguntava um gaiato.
- Ôxente! Tu tá ficando doido? Onde já se viu tapioca de ontonte prestar pra alguma coisa? – exasperava-se – fiz agorinha lá em casa. Quem quer, quer. Quem num quer, tem quem quer! – saía faceira, trombuda, ofendida.
Dona Chiquinha criou os oito filhos com a venda de tapioca. O marido, caixeiro viajante, irresponsável, largou ela com os filhos, quatro meninos e quatro meninas. Justo que só boca de cabrito.
- Cadê o pai desses meninos, dona Chiquinha? – alguém perguntava sempre.
- Sei lá daquela peste! – respondia entre risos – Tá por aí raparigando!
Dona Chiquinha gostava mesmo era de sair vendendo tapioca de coco. “Se divertia muito”, dizia ela.
- Gosto demais desse serviço. Num vô mentir... Vendo tudim. Num sobra nem um farelo! – gabava-se orgulhosa, sorridente.
Mas tinha uma coisa: no cesto onde ela levava as tapiocas, sempre tinha um burrinho, que aqui no Ceará é uma garrafa de refrigerante cheia até a tampa de cachaça. Entre uma tapioca e outra, dona Chiquinha entornava o burrinho com gosto de gás. Uma lapada aqui, outra lapada ali e dona Chiquinha saía com o cesto de tapioca em riba da cabeça, trôpega, cambaleando, soltando a língua, aos trambolhões. A canalha não perdia tempo e começava a mangofa com a dona Chiquinha.
- Dona Chiquinha tem tapioca de batata-doce?
- Vão pra baixa da égua, seus fí de corno! – gritava ela – Vão aperrear o cão com reza! – saía esbaforida, afobada, exasperada, vermelha como uma malagueta.
- Dona Chiquinha já tá melada, não tem tapioca, mas tem marmelada! – gritava em coro os meninos.
- Ocês num tem mãe não, seus fí de quenga? Vão pra casa do Chico!
Era assim todo dia. Chegava contrariada em casa, bufando. O filho mais velho já acostumado vinha logo consolar.
- Esse magote de fí duma égua! Bando de fí de corno! – estrebuchava ela.
- Mamãe, pare de esculhambar os seus clientes. Ninguém mais vai querer comprar suas tapiocas. E pare de beber cachaça. Onde já se viu uma pessoa como a senhora dando esse exemplo?
- Vai tu também pra baixa da égua! Num tô dizendo mermo! Ôxente! Bebi só um golinho de nada! É só pra atiçar as pernas.
Quem disse que ela tomou jeito? No outro dia tava lá às cinco da matina gritando seu bordão:
- Óia a tapioca, bando de fulerage! Quem quer, quer. Quem num quer, tem quem quer!
E o povo que dá o maior valor a uma palhaçada, levava a velha a pagode.
- Já tá melada, dona Chiquinha? – gritava o seu João da bodega.
- Melada é a tua mãe, cabra safado! Tu é muito é do chifrudo, corno véi!
Aí o povo que não tem nada o que fazer botava mais lenha na fogueira:
- Dona Chiquinha, tem tapioca de pinga?
- Vão aperrear o cão com reza, seus cabras safados! Bando de mói de chifre!
Entre uma imprecação e outra, dia após dia, vendendo suas tapiocas sempre levando o burrinho até a tampa de manguaça e batendo boca com o povo da rua, dona Chiquinha criou os oito filhos. Todos formados, bem casados. Morreu tranquilamente em casa, com 99 anos. Enquanto pôde, nunca deixou de fazer tapioca nem de tomar uma cachacinha. O filho mais velho, hoje médico anestesista foi quem me contou essa história entre risos, gargalhadas e os olhos marejados, distantes no passado.