Quando a teimosia se encontra com a pouca fé.
 
Quando a teimosia encontra a pouca fé, muitas coisas deixam de acontecer, consequentemente, outras, muito mais dolorosas, acorrem. Digo isso, não porque vocês não saibam, pois é obvio, mas porque quando acorrem com alguém próximo, que se tem a oportunidade de vivenciar os fatos, isso nos faz refletir com maior profundidade. E foi exatamente isso que acorreu comigo.
Antes de contar o ocorrido, para manter a imparcialidade e a veracidade dos fatos, preciso confessar que são evidentes meus traços de teimosia, bem como as oscilações na minha fé. Contudo, estou bastante familiarizado com o contexto que a narrativa ira expor. Saio de cena para dar voz ao personagem que vivenciou o ocorrido e,para que ele possa fazer a narrativa com suas próprias palavras.
Bem, eu sou o vivente que muitos dizem ter pouca fé e ser teimoso. A teimosia eu admito, embora a minha tenha forte relação com perfeccionismo ou hesitação ou até mesmo in segurança. Mas vamos lá, sou teimoso e tenho pouca fé. Atribuo a minha pouca fé à infância, por ter sido totalmente direcionada a temer e a amar a Deus da mesma forma, uma mensagem contraditória que sempre mostrava um Deus mais punitivo que amoroso; embora hoje, racionalmente, possa entendê-la um pouco melhor. Porém, na época em que ingressei na faculdade, me causou profunda frustração. Imaginem... Eu um temente a Deus, que se penitenciava por deixar a hóstia sagrada tocar nos dentes, sem falar da ginástica facial que eu, disfarcadamente fazia, para tentar desgrudá-la do céu da boca. Essa e tantas outras atitudes de medo e submissão, apenas porque uma pessoa qualquer, um dia, colocou na minha cabeça que esse tipo de banalidades era pecado. Agora, diante de um padre, professor universitário, via uma versão muito mais lights, que abordava temas que eram, no mínimo, vergonhosos, como caça às bruxas, invenções, cruzadas e outras barbaridades que foram feitas em nome desse mesmo Deus e que, nunca haviam me informado.Mas esses fatos da história, vocês certamente conheceram há muito tempo antes de mim. A essa altura, nem preciso dizer que eu já era um adulto, mas que jamais havia deixado a pequena comunidade onde cresci. Havia passado a vida trabalhando, rezando e esperando ter o mérito da recompensa Divina. Rezei para um Deus único; mas, principalmente, para seus Santos assessores, especialista nos mais diversos campos. Só não havia rezado para a santa ingenuidade, porque eu era a ingenuidade em pessoa.

 
Entretanto, vamos adiante, pois hoje ninguém mais tem tempo para ler algo que tenha mais que dois parágrafos. O que fizeram com o tempo? Gostaria de ir direto ao ponto, contudo peço mais um pouco de paciência, pois isso irá facilitar a compreensão. Sabe como é, o contexto, às vezes, faz a diferença e me parece que aqui essa exposição é importante. Então, aproveitem para exercitar a paciência, eu já chego lá.
Vamos então... Sentindo-me enganado pela doutrina que os longos anos de catecismo incutiram em minha mente, (aliás, até hoje tais ensinamentos, frequentemente se manifestam), eu resolvi estudar um pouco. Na cidade grande, havia mais opções; por isso, à medida do possível, resolvi testar o máximo cada uma das religiões que me parecesse atraentes, e a essa altura, todas passaram a ser um dos meus objetivos .Para avançar um pouco mais, simplificando, posso dizer que presenciei cada barbaridade, caí em cada abismo, que já deveria ter aprendido e não ter passado por mais essa situação que estou tentando contar. E agora, pegando um atalho para acelerar, vou resumir dizendo que acabei ingressando em uma casa espiritualista, de fundamento kardessita, e que lá regularmente desenvolvo meu trabalho mediúnico há mais de 10 anos. Trabalho, talvez, não exemplar, às vezes digno de merecer o salário do final de mês; outros, de ser dispensado. Entretanto, geralmente, com mérito para ser promovido, ao menos pela disposição e persistência, se fosse em uma empresa privada, é claro. Contudo em se tratando do mundo espiritual, classifico-me como um trabalhador regular, longe de ser relapso. Mas, avancemos...
Nesses últimos dois anos, passei a ser mais negligente e,especialmente nesse último ano, venho recebendo algumas mensagens dos amigos do astral. Mas sempre procuro uma desculpa para não interpretá-las ao pé da letra e vocês sabem que existem muitas razoe,s e eu tenho todas, para desconfiar. Razões que vão desde a qualidade da ligação, à fonte de recepção e transmissão e, principalmente, o meu ceticismo. Vou poupá-lo de dizer como sou desconfiado. Lembra lá da infância quando eu acreditava em tudo? Pois é, deve ser um fruto daquela arvore, ou melhor, uma semente daquela erva daninha.
Adiante, mais uma vez. Essas mensagens eram bastante diversificadas, mas todas apontavam para a retomada de um trabalho que havia sido iniciado, que faria parte da minha missão, enfim que eu deveria terminar. E obviamente o que mais me intrigava é que todas falavam que eu havia sido preparado, que eu havia me comprometido, tipo deveria dar o retorno do investimento, coisa desse tipo. Tudo isso remetia minha cabeça desconfiada para a ingenuidade da infância,misturando-se com a questão do livre arbítrio, individualidade e tantas outras dúvidas que relatá-las tornaria esse caso insuportável para o mais paciencioso dos humanos.
O recado era direto: “_ Escreva, escreva o que você sabe, do jeito que você sabe,sem mas, sem argumentos, faça.” Assim, seco, e cada vez mais direto, quase ameaçador. Obviamente que na hora, por mais cético que eu pudesse ser, eu sentia que devia fazer e poderia fazê-lo. Chegava a ter inúmeras e profundas inspirações ali mesmo. Porém, todavia, contudo, entretanto, por alguma razão isso nunca acontecia. Sabem aquela espera pelo momento certo? Pois é, ele nunca chegava. Não era falta de tempo, embora isso continue sendo uma coisa escassa. Também não era a teimosia que o meu amigo relata no inicio deste texto, era algo indefinido, era alguma coisa que não me permitia iniciar.
Então, numa das últimas reuniões de trabalhos do grupo mediúnico, antes do encerramento do ano, aproveitei para pedir um atendimento, em virtude de estar ouvindo constantemente alguém me chamando, sempre enquanto estava dormindo, o que me fazia despertar. As primeiras vezes em que isso aconteceu, pensei que fosse uma brincadeira da minha esposa, mas obviamente não era. A voz era tão real que me fazia andar pela casa procurando quem estava me chamando. Verifiquei se poderia ser a minha filha que dorme ao lado, o vizinho,o guarda da rua, enfim eu acordava e ia verificar ou ficava atento escutando se alguém voltava a me chamar. Mas, voltemos ao atendimento.
Logo que começou o atendimento, ali desdobrado, diante de todos, no centro do circulo e com o dirigente circulando em busca manifestações dos médios,tudo pareceu bem, digamos que nada de anormal, algumas preocupações, umas formas pensamento. Nada grave, tudo parecia bem, mas, sempre o mas.. E lá veio a mensagem novamente. E o dirigente me colocou diante do transmissor, que repetia a necessidade de assumir meu compromisso. Tentei argumentar, só que meus argumentos eram patéticos diante da clareza da mensagem. A resposta que recebi dos meus três últimos argumentos foi a mesma: _Não fale, escreva.
Desisti de argumentar, resolvi assumir o trabalho. Ali mesmo, diante do mensageiro, me programei para começar a escrever, o que faria no feriadão do Natal. Faltavam duas semanas.
Enquanto esperava o Natal, tratei de tirar as últimas dúvidas. Não estava totalmente convencido de que deveria, ou melhor, “precisaria” escrever. Tratei de me cercar de fatos concretos: analisei, refleti e reavaliei a “qualidade da mensagem”, busquei orientação com amigos “espiritualizados”, enfim duvidei.
Todos, nenhum dos amigos que consultei, foram unânimes em me dizer para fazer, acreditar. Eis que chegamos ao ponto em que a teimosia encontrou apouca fé.Eu vacilei, deixei o Natal passar e nada de sentar para escrever. Gente não foi preguiça. Surgiram problemas familiares, dificuldades financeiras, muito trabalho,cansaço, vocês sabem como é corrido o final de ano. Deixaria para escrever na semana seguinte, no feriadão de ano novo, simples, sem problemas.
E teria escrito, só que no Natal me apareceu uma dor de garganta chata, que foi se agravando durante a semana e, quando chegou o final de semana, a tosse já não me deixava dormir, e nem ninguém lá de casa, possivelmente no prédio todo.Tomei todos os medicamentos que tinha em casa e achei que poderiam me ajudar. A coisa só piorava.
Conseguir um médico no meio do feriado, só na emergência, e eu não quis pegar a fila. A noite seguinte foi pior, os pouco vizinhos, certamente, não conseguiram dormir. Era só tosse, muita tosse. Cochilava um pouco e acordava tossindo, procurava algo que pudesse acalmar a garganta, mas nada adiantava.
Porém, pela manhã, estava tão seguro que o pior já havia passado que podia jurar que não iria mais acontecer. Todavia, chegava à noite e a ela voltava com mais força. Foram três noites de muita tosse, foi quando a minha esposa entre irritação e impaciência me disse:_ Isso é porque você tem que aprendera perdoar, a se abrir mais.
Essas palavras me fizeram refletir... Claro que tenho dificuldades, embora saiba muito bem os benéficos do perdão, porém estou melhorando, assim como estou superando a dificuldade de me expor. Aos poucos, estou avançando. Não era aquilo, mas poderia muito bem ser algo voltado ao mundo invisível. Tentei me concentrar e buscar uma energia mais qualificada. Cochilei. Acordei tossindo e depois da longa e sufocante tosse, tive a clara impressão que deveria me levantar e ir escrever. Não fui, tratei de me autoenganar, dizendo que ficaria construindo mentalmente o texto, selecionando os assuntos. Entrei numa negociação com a intuição, comprometendo-me que logo pela manha escreveria sobre alguns daqueles assuntos. Quanto, então, finalmente eu iniciaria uma fase de produção de singelos textos que levassem, aos menos, despertos, a se abrirem para uma vida espiritual mais ampla, de forma a aceleraram o crescimento espiritual. Vou poupá-los das razões, que são de se envergonhar. Simplifico dizendo que, novamente, não escrevi uma palavra sequer.
Resultado: lá estava eu novamente tossindo à noite. Mesmo tendo passando o dia assim, acreditava que uma nova pastilha me deixaria dormir. Grosseiro engano.
Chegou o fim a tolerância familiar, minha mulher marcou um médico logo pela manhã. Fui consultar, tomei os remédios conforme recomendado, deitei com a certeza de uma boa noite de sono, mas já eram três horas da madruga e a tosse sequer dava sinais de abatimento, nem eu de sono. Lá estávamos ela e eu duelando ferozmente, obviamente que eu apanhando.
Quando, de repente, como sempre é,do nada, ouvi uma voz que me perguntava: _E aqueles textos? Imediatamente pensei em sair da cama e escrever, mas adormeci. Acordei pela manhã e fui trabalhar, com a tosse sempre se fazendo lembrar. Passei o dia certo de quer voltaria para a casa e escreveria. Antes disso, passei em uma farmácia para automedicar-me, e segundo o farmacêutico, comprei um xarope poderoso.
Bem, nem preciso dizer que qualquer homem de fé não compraria o xarope, apenas assumiria o compromisso, escreveria algum texto e dormiria o merecido sono do dever cumprido, sem qualquer interrupção pela tosse, mas não faz mal se prevenir, não é? No final do dia, acabei escrevendo o texto.
Claro que continuei a tomar os antibióticos, o médico disse que era preciso. Quanto ao xarope, possivelmente vai ficar intocado até a data de vencimento, acho que não vou mais precisar me preocupar com esse tipo de tosse. No final, sei que ficarei bem, se foi pelo tratamento médico ou por ter assumido definitivamente o compromisso de escrever, isso vou deixar para a livre interpretação de vocês. Eu é que não vou lhes tolher o prazer da própria conclusão.
Portanto, encerro o meu relato por aqui. Sou um vivente qualquer, com pouca fé e uma boa dose de desconfiança, embora meu amigo diga ser teimosia, mas resolvi registrar através desse relato a experiência que vivi. Espero que despertem para a importância da fé e, principalmente, que não nos deixe esquecer que a fé precisa ser alimentada de forma saudável, todos os dias. Só assim, fortalecida se tornará o combustível que nos possibilitará caminhar na direção do amor, o elixir do crescimento pessoal.
Assim concluo o meu relato, agradecendo ao autor por este espaço e colocando-me a disposição para voltar a colaborar em uma próxima oportunidade. Depois deste reflexivo relato só me resta agradecer. Também encerro com a esperança de que seus escritos cheguem as mãos de muitos leitores o mais rápido possível.
Agora sinto minha fé fortificada e estou imbuído de imensa vontade de melhorar-me a cada dia. Comecei com a intenção de fazer o bem, deixando meu amigo “vivente” narrar sua experiência a assim incentivá-lo a escrever, mas agora percebi que quem sai deste texto ganhando sou eu. Estou consciente que embora pouca, minha fé, me levou a transpor momentos difíceis.Imagino como seria bom se eu pudesse fortalecê-la, diminuir minha teimosia e crescer um pouco a cada dia. Sei que o caminho e por estas bandas e tenho certeza de que é isso que preciso fazer. Não digo isso por medo de ter que passar pela dor, como descreveu “o vivente”, mas porque sei que com fé a vida se torna mais leve e com amor se vai mais longe.