NOSSO UNIVERSO DE SONHOS MIL
Lêda Torre
É muito difícil retornar ao velho casarão onde nasci e passei a infância, a adolescência e uma parte da minha juventude, sem escrever algo que vivenciamos eu, meus irmãos e nossos pais. Do nosso quintal fazíamos um dos espaços de tantas brincadeiras, invencionices e folias. Quintal enorme, com tantas fruteiras, dentre os pés de mangas de várias espécies, pés de laranjas, cajueiros, pé de seriguela, de jenipapo, carambola, maracujá e outros.
Ali, era palco de muitas fantasias infantis. Meus irmãos brincavam de fazer estradas naquela terra; eu e minhas irmãs fazíamos nossas casinhas, com tijolos, mobílias de caixas de fósforos, de pedaços de tábuas, pequenas caixas de remédios, latas de sardinhas, enfim, a imaginação fértil de todos nós, mesmo tão pueris, estava sempre a todo vapor.
Criação, não faltava todo dia. Ali, brincávamos com nossas bonecas de plástico fajuto hoje, mas de grande valia naquela época, bonecas de pano, carrinhos de flandres de latas de leite em pó, de óleo, pneus de havaianas, bonecos de canarana, uma caninha não comestível, e do que aparecesse, fazíamos bonecos, até de tijolo, dependendo apenas da necessidade do momento.
Nossos bonecos iam à escola, arrumávamos suas bolsas com livros, montados por nós, por mim principalmente, por sonhar em ser professora um dia; eles namoravam, casavam, tinham filhos, iam às festas, ao clube, às tertulhas. Bonecos que tinham vida própria, trabalhavam quando adultos, e brincavam quando ainda infantes, adolescentes e adultos, enfim. Faziam de tudo que nós fazíamos na realidade, na nossa rotina, era uma reprodução do que vivíamos com nossos pais. Até a disciplina, a taca, era igual. Coitados dos bonecos! Nas nossas cabecinhas, tão inocentes, eles eram terríveis e desobedientes! Até cipós e cinturão eles apanhavam.
Pois bem, situações corriqueiras eram simuladas por nós, meninos pra um lado, meninas pra outro, mas sem nenhuma maldade. Quanta pureza, quanta felicidade! E, diga-se de passagem, não possuíamos brinquedos virtuais, nem eletrônicos, nem de marcas famosas, nem sofisticados, mas a brincadeira rolava solta. Criatividade e invencionice também. Contudo, o sonho de um dia conhecer a cidade grande, fazer uma um curso superior, ser um grande profissional, comprar uma casa ou um apartamento, um carro, ter dinheiro bastante num banco, alimentava nossas cabecinhas.
Hoje viajo ao passado e me vejo naquele tempo de vida interiorana e num instante de regozijo, faço algumas reflexões de que nós éramos felizes e não sabíamos. Era gostoso brincar de fazer comidinha com areia, com folhas, com farinha, arroz cru, café e açúcar (que às vezes apanhávamos escondido da nossa mãe). Era delicioso brincar de ir ao trabalho, eu como sempre, à escola, sempre fui professora; apesar de que meu maior sonho mesmo foi fazer Direito (até hoje); minhas irmãs imitavam nossa mãe sendo enfermeiras.
Fazíamos a missa, batizados, nós éramos madrinhas das bonecas umas das outras, os aniversários tinham bolo e suco, pois não conhecíamos ainda o refrigerante, raro para alguns somente; ora tínhamos nossas quitandas; compramos muito, objetos como tampinhas das coisas, vidrinhos vazios de penicilina, pastas dentais vazias, tampinhas de pasta, de garrafas, etc. Vendemos muito, aquelas bobagens. Até sapatos velhos completavam o quadro dos alunos que eu fazia as salas de aula ou os fiéis da Igrejinha que imaginariamente criávamos. Até os ditames litúrgicos de uma missa sabíamos de cor.
Contextualizando tudo isso, muitas são as lembranças de expressões que falávamos no nosso linguajar cotidiano; uma dessas expressões foi “bobô”; era comum chamarmos as coisas grandes de “bobô”, como uma manga grande, a chamávamos desse nome: - eita, que aquela manga é uma bobô!...nossa! Aquele caju é um bobô!
Foram tantas as expressões que marcaram nossa linguagem na infância e na adolescência, que aos poucos vou registrando nas minhas crônicas; é prazeroso lembrarmos-nos dessas passagens da nossa vida.
______Colinas, 1º/01/2013____________