Os filhotes de Galo do Campo

A paixão do tio Enéias ou tio Paixão era passarinho. Criava uma

centena deles e isso desde menino de pé no chão e calça curta.

Adorava-os. Espalhava as gaiolas pelo quintal e ficava horas só na

escuta do canto, dos trinados, uma confusão de sons, mas que ele

sabia distinguir perfeitamente. O que ele tinha de admiração, loucura,

alegria não se mensurava. Havia um entretanto: ( sempre há um

entretanto ) ele, raramente, limpava as gaiolas. Dá pra imaginar a

sujeira; ele só cuidava de alimentar, água, separar os filhotes, mas

limpar... Quem fazia isso era o tio Nélson, sempre que vinha visitar

a família, e xingava, como xingava... aliás, ficou conhecido pelo seu

nervosismo. Quando ele apontava lá embaixo, tio Paixão comentava

pro meu pai:

__ Ih, lá vem o fiscal de gaiola...

Mesmo já casado e morando em Sabará continuou com o

ofício, só que, claro, menos gaiolas, alguns canários, melros,

coleirinha e a prata do terreiro: dois curiós, irmãos, que cantavam

um absurdo de bonito. Tanto que um dia parou um turista de São

Paulo e ofereceu tanto dinheiro nos dois, era colecionador,

participava de campeonatos de canto de pássaros pelo Brasil e

conseguiu levar um dos irmãos curió. E por tanta grana e em

dinheiro vivo que o meu tio comprou até uma furreca. Uma semana

depois o homem voltou pra buscar o outro, disposto até a pagar o

dobro. Mas o curió, talvez por saudades, morrera.

Tio Paixão, como a maioria dos irmãos, trabalhava na Central

do Brasil. Um dia chegou, no subúrbio da manhã, o esperado e

temido fiscal, o auditor, o cri-cri, o chato, o metido, com a missão

de descobrir erros, improdutividade, e por aí vai. Todos se reuniram

no pátio da estação e após a preleção do dito, vociferando

autoridade, ele perguntou aos berros:

__ E quero saber quem é que cria passarinho por aqui?

O silêncio só não foi geral porque, naquele momento, do alojamento do

tio Eneias ou Paixão, veio um trinado mavioso de um canário.

__ De quem é o canário?

Não teve jeito. Timidamente, meu tio levantou a mão.

__ Pois vem cá que a conversa com o senhor é lá dentro...

Quando tio Paixão saiu do escritório meu pai e alguns amigos,

preocupados, esperavam por ele.

__ O homem é criador de passarinho, também, é colega... me disse

que no sítio dele, no interior do Rio de Janeiro, ele tem um viveiro do

tamanho de dois pátios do nosso aqui, todo coberto com tela

especial, com árvores, os passarinhos dele vivem como se estivessem

soltos na natureza... deve ser bonito, num precisa nem limpar, tem

água corrente, um paraíso, com tratadores e vários dos passarinhos

dele são campeões, inclusive internacional. Legal, né?

__ Tá, mas o que ele queria, a gente ficou preocupado...

__ Ah, ele soube que aqui tem muito galo do campo nas matas...

quer dois filhotinhos, já com penas, mandar pra ele, assim que der.

Me deu o endereço e uma grana pras despesas...

__ Mas você conhece galo do campo? Eu nunca vi e pra quê?

__ O galo do campo, segundo ele, se criado desde filhotinho com

outro passarinhos, ele aprende todos os cantos e aí é mais uma

atração pro viveiro dele...

__ Ah, é um passarinho poliglota...

__ É o quê?

__ Nada, mas você conhece o galo do campo?

__ Claro...

Duas semanas depois foi enviada, via trem, a encomenda. A

vida, a pasmaceira de sempre, a não ser um telegrama de agrado

para o meu tio, vindo do Rio de Janeiro. O tempo passou.

Lá no viveiro os tratadores comunicaram ao fiscal que alguns

passarinhos estavam sumindo.

__ Esta semana foram dois, doutor, o campeão australiano, aquele

que cantava o Hino Nacional, também... já sumiram uns dez, se não

me engano...

__ Mas tem buraco na tela? Vocês olharam tudo?

__ Claro, doutor, tamos muito preocupado, tá muito esquisito...

__ Vamos andar e procurar... você vem comigo nesta direção e

vocês dois ao contrário... quem achar avisa o outro... vamos.

O sol estava no meio-dia, sol quente. Andaram um bocado. De

repente, no chão, a sombra de um pássaro voando baixo. Quando

olharam na direção do voo, quase caíram no chão, e o doutor

gritou:

__ Como é que este gavião entrou aqui?

__ E olha outro lá na árvore...

Tio Paixão conhecia galo do campo, mas não era especialista.

A semelhança deles, quando filhotes, com os filhotes de gavião é

incrível, e se procriam no mesmo ambiente. Então...