OS DOIS LADOS DE PARIS

Não existe moeda com apenas uma face, tudo tem seu outro lado e não há como negar ou ocultar, porque é algo realmente visível, evidenciado e à vista, é só procurar, basta virar a moeda. Ocorre, muitas vezes, que sua face mais brilhante se destaca anos-luz além do usual e somente ela aparece em quase todas as ocasiões, obscurecendo a parte de trás, a distante, a pouco ou nunca falada. Embora eu já soubesse disso, até por ser algo tão banal e corriqueiro, ainda assim só hoje, in loco, descobri que Paris também tem seu outro lado, o mais escondido e menos realçado, digamos tratar-se de pequeno espaço divulgado meramente no que tange à parte cultural e exótica do ambiente. O resto é escamoteado, provavelmente deixam de lado as mazelas, os riscos, os olhares diferentes e cobiçosos sobre visitantes e turistas.

A periferia de Paris, longínqua, aonde nem todo mundo quer ir, a meu ver, é sua outra face. E neste sábado, por indicação de alguém conhecedora máxima da cidade, aceitamos topar a parada de ir conhecer o já muito famoso Mercado das Pulgas, feira de antiguidades que só funciona aos sábados e onde se vende praticamente de tudo, desde móveis os mais lindos ou esquisitos, até pratarias, velhos jornais, revistas, livros, jarros, quadros, etc, além de centenas de outros itens distribuídos em barraquinhas modestas ou pequenos espaços apertados

e distribuídos de forma inimaginável. Assim como é possível encontrar nesse mercado peças raríssimas e valiosas, também se pode deparar com objetos simples, eu diria até que inúteis a não ser para colecionadores radicais. O lugar, portanto, é destinado aos apreciadores de antiguidades tanto históricas interessantes quanto sem graça e inúteis.

Para chegar ao citado local é necessário passar por verdadeiro corredor polonês de vendedores clandestinos de contrabandos, talvez até de coisas ilícitas, que chegam a ser ousados ao oferecer seus "produtos". Eles partem para cima da gente como se nos fossem atacar, então cuidamos de nossos bolsos e bolsas, apressamos o passo para sair logo dali, balançando a cabeça em resposta a suas ofertas e sendo novamente interpelados enquanto praticamente corremos. Dentre eles, teve quem puxasse do bolso um Iphone novinho, sabe lá originário de onde, e perguntou se eu queria comprar, me fazendo afastar-me do assédio ainda mais ligeiro. Ao conseguir sair dessa roleta russa atravessamos o sinal e fomos recebidos por outro corredor, desta feita de barracas em que se vendia quase todas as "marcas famosas". Dali já foi menos difícil fugir com mais rapidez.

As imediações do Mercado de Pulgas, no entanto, deixam no ar aquela estranha sensação de insegurança, o medo de ser lesado de alguma maneira, de ser furtado por algum batedor de carteira, de tentarem nos enganar de qualquer forma. E fica sempre o receio de algo inesperado a brotar da esquina mais próxima, do cara com jeito de malandrão que se aproxima, da turma de jovens adolescentes aos gritos por razões desconhecidas passando ao nosso lado, das pessoas esbarrando em nós nos encontros e desencontros dos milhares que vão e veem por entre o enorme labirinto de barracas. Cada freada brusca, o repentino alarme do carro da polícia que corre, a gritaria de homens mal-encarados trocando ideias nos pontos aglomerados, tudo contribui para afetar ainda mais nossa sensibilidade à flor da pele.

E quando saímos do Mercado de Pulgas, eu decepcionado porque não sou muito adepto de lugares sabendo a mofo e naftalina, depois de perambular por várias vendinhas de objetos dignos de museus, corremos a pegar o metrô de volta, servindo o passeio para esclarecer que as moedas e todas as coisas tem, sem dúvida, seu verso, não apenas o anverso. Mas antes de chegarmos a essa conclusão ainda vimos estações lotadas de gente se empurrando, o metrô lotado até a tampa, calçadas onde vendedores inesperados vendiam de tudo, desde alfinete até hélice de avião, do pão francês ao lenço de seda, não sei se eram fruto de trabalho, de contrabando ou de ilícito. Ali, em tudo isso, o objetivo era, certamente, achar o caminho da sobrevivência, a estrada duma vida melhor, e havia homens e mulheres, crianças, adolescentes, a fumaceira dos cigarros poluindo e contaminando as ruas.

Fomos imediatamente para a avenida des Champs Elysées, àquela altura, por volta das três ou quatro horas tarde, regurgitando, tumultuada, cheia, com os personagens mais absurdos e incríveis fazendo pouso nela, do mendigo pedindo esmolas com um copo pendurado numa vara, como se estivesse pescando no rio de gente, à pobre mulher esfarrapada que agitava as mãos postas suplicando ajuda, dos pombos disputando a comida servida na calçada da Paul, sobre as mesas postas, às filas de gente rica comprando na Sephora, na Cartier, na Loui Vitton (principalmente chineses), na Dior, na Nexpress, das crianças e adultos patinando, aos fotógrafos desafiando a morte no meio da avenida para fotografar o Arco do Triunfo, dos sorrisos da multidão alegre à tristeza dos que esmolavam. E a moeda com suas duas faces brilhava no alto da Torre Eiffel escondendo sua extremididade mais alta no nevoeiro que despejava chuva fina sobre nós. Indo para nosso apartamento, ainda tivemos tempo de ver os carros mais luxuosos do mundo, como BMW, Ferrari, e outros da mesma estirpe, de onde saíam ricaços e ricaças que entravam pingando sua riqueza nas lojas mais caríssimas da Rue Montaigne. A vida é, sim, uma moeda com dois lados.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 05/01/2013
Código do texto: T4069367
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