Cipó: a trepadeira que embala a vida
Eu fui criado às margens do rio Paratucu, em Nhamundá-AM; e, afora a beleza do meu saudoso rio, o que me cativava mesmo era a exuberante floresta que se descortinava a cada enseada. Suas copas, seus ramos e, sobretudo, o contraste resplandecente do espelho d’água me remetiam aos mais belos sonhos que pairavam em minha mente.
A nossa casa era bem simples e cheia de vida. Tínhamos um canteiro sobre uma velha canoa abarrotada de alfavacas, cheiros-verdes, tomates e pimentões, o suficiente para temperar os peixes fresquinhos que o papai trazia de um lago que ficava atrás da pequena serra do platô onde morávamos.
Não dispunha dos brinquedos como os demais jovens da cidade; eu passava o tempo improvisando os pequenos frutos de cuias, transformando-as em vacas ou bois; para tanto, introduzia talas de buriti – uma palmeira abundante nas cercanias – nelas e mais nada.
Dadas as limitações, o passatempo era mesmo esse; e, vez ou outra, ia para o porto com um pequenino barco feito de embaúba e lá ficava a brincar singrando as águas escuras do saudoso rio. No mais, outro entretenimento era ficar ouvindo as histórias dos vizinhos até as altas horas da noite ou até o sono chegar.
Isso se deu até o dia em que eu descobri um cipó, ou melhor, os cipós. Foi daí que passei a romper o medo que eu tinha, cuja dimensão desconhecia. Para mim, foi um verdadeiro desafio. Fazia as tarefas domésticas cedinho, me mandava para depois do aceiro do roçado e me punha a enfrentar as mágicas trepadeiras.
Caminhava selva adentro uns quinze minutos desviando-me dos espinhos, passava debaixo de alguns galhos até deparar com os portentosos cipós. Havia cipós de todas as formas; alguns tinham desenhos de escadas-coladas em suas cascas; outros eram ornamentados por longas cascas lenhosas, disformes, robustas, ásperas, com um lodo verde-musgo, cinza-prateado; e uns poucos eram rajados com pinceladas coloridas de amarelo-queimado.
Logo descobri as maravilhas de ficar bebericando a água de que a sua maioria dispunha; era refrescante; e, de quando em quando, não dispensava matar a sede até eu romper o próprio medo e passar a desafiá-los escalando-os. As primeiras tentativas foram em vão: parecia que eles me venceriam; depois me familiarizei e, quando fiz a primeira escalada, pude ver e contemplar as belezas encantadas da floresta.
Do alto, fui descobrir as dezenas de ninhos de pássaros, a beleza das bromélias que ficavam nas forquilhas das grandes copas de árvores, sem contar com a vicejante tonificação que as flores e as folhas têm a partir daquele ângulo. Daí foi um passo para eu desafiar um bailar e ser levado para outra árvore segurando firme no cipó, sob pena de despencar e, com precisão, segurar outro cipó. Valeu a pena o real desafio!
Desde então, gradativamente, fui desenvolvendo com mestria a arte de ficar bailando de árvore em árvore pendurado nos cipós, até que, certa vez, quando me encontrava no alto, passei a refletir. Foi aí que eu me dei conta da importância que o cipó passou a ter na minha vida, pois eu havia sepultado o medo; estava a sair da adolescência e a bater nas portas da minha prazerosa juventude, e aquilo tudo eu devia unicamente aos cipós.
Assim, desde quando me entendi como gente, passei a ver no cipó um ótimo instrumento para o entretenimento, bem como uma ferramenta natural para produzir dezenas de artefatos que só facilitavam o dia a dia; sem contar que é uma fonte de eternos desafios. Desse modo, eu elegi o cipó como uma ótima opção para combater o stress e para embalar a vida.
Autor: LISON COSTA