NUMA RUA MÁGICA
Paris tem surpresas que vão muito além de nossa pobre compreensão, extrapola as ficções mais surpreendentes e nos faz chegar a emoções nem sempre imaginadas. Pois não é que assim aconteceu hoje conosco, quando nos deslocávamos por uma rua não muito iluminada, com pouco movimento, quando, sem que esperássemos, avistamos aquele bequinho ali perto, cujas luzes de onde estávamos pareciam bem alegres e excitantes? Como no caso de Alice no País das Maravilhas e tão curiosos quanto ela, resolvemos entrar por aquele bequinho estreito, esquisito, talvez até mesmo não confiável, então, tal qual na ficção infantil, "caímos" num labirinto esplendoroso em sua iluminação, movimentado como se um formigueiro fosse, um lugar diferente, comprido e estreito, ladeado por dezenas de restaurantes, bistrôs, pattisseries, comércio em geral, ambulantes, o sete pintado por anjos. E uma multidão dividindo o pequeno espaço aos sorrisos, fotografando, comprando, bebendo, comendo, conversando, vendendo, vivendo o burburinho dum lugarzinho muito bem escondido no coração de Paris.
Passamos a fazer parte integrante daquele ambiente esfuziante, de seu brilho solar embora fosse noite, pois tantas luzes acesas tornavam o tal lugar um dia noturno, do ruge-ruge interminável, recebemos olhares sorridentes e convidativos para entrarmos nas lojas, nos deleitarmos nos restaurantes, comer ou beber algo, comprar qualquer artigo dos milhares à venda, para conversar nalguma esquina, fazer amizade enquanto as estrelas se escondiam sob as nuvens chorosas que derramavam restritas lágrimas de chuva fina sobre nós. A tudo ouvimos atenciosos, prestamos atenção aos sorrisos, cumprimentamos quem nos olhava, muitos perceberam nossa nacionalidade brasileira e, em assim sendo, falaram, ou pelo menos tentaram em balbucios, palavras soltas em nosso lindo idioma português, arrancando, assim, de nós, ainda mais simpatia e deleite.
Ali entre as pessoas, em meio aos circunstantes, aos transeuntes inesperados e repentinos como nós, crescia inimaginável aura de magia fantástica que se percebia à flor da pele, descobria-se o fascínio da ficção despojada de escritores criativos, de literatos brincalhões dispostos a tornar realidade seus sonhos mais tresloucados, suas ansiedades mais absurdas e embevecentes. Era realmente, sem nenhuma sombra de dúvida, um mundo à parte das grandes avenidas enfezadas pelos inúmeros transportes ziguezagueando para lá e para cá, palco de acontecimentos imponderáveis, de festas súbitas, de cantorias e danças entrelaçadas por abraços mil, por beijos e afagos carinhosos trocados por casais de amantes enlouquecidos de anelos indizíveis.
Aquele lugarzinho escondido nas entranhas de Paris se tornou nosso País das Maravilhas, universo estonteante de descobertas e curiosidades, espetáculo quase dantesco no melhor sentido da frase, o mundo absurdo e belo onde as coisas de fato aconteciam como se em devaneio, sendo todos alegres sonâmbulos babatando de braços esticados sem destino, deixando-se levar pelas luzes, guiando-se também pelo estrondar do barulho das vozes, das gargalhadas grotescas, dos gritos de alegria, dos beijos estalados nos cangotes, nos rostos, nos ombros, nos lábios, esse deleite, enfim, que só se admite nos lindos contos infantis onde tudo de belo e encantador acontece.
Saímos de lá com o coração flutuando, abismados com tantos gnomos, tantas fadas, tantos anjos, tudo no fazendo de contas, no remanin, remanin, e no mundo que para trás ficava era assim algo a ter com animais falando feito seres humanos, com sentimentos, sentindo angústias, amando por demais em aparência de gente, tudo à base da criação ficcional, do imaginário, do lúdico, do reflexivo. Nesse lugar vivemos sonhos, nos transformamos em personagens de lindas estorinhas para crianças.